Caminho de Santiago – Astorga a Rabanal del Camino – 33° dia – 04/05/2018
O Hostal Descanso de Wendi e a cidade de Astorga foi uma agradável surpresa. As instalações do hostal são excelentes e o atendimento personalizado. São apenas seis apartamentos e uma equipe simpática e prestativa para atender seus poucos hóspedes. O café da manhã, que está incluído na diária, também surpreendeu, com suco de laranja natural, café, leite, chocolate, variedade de frutas e bolos, com muita fartura e direito a repetir.Logo que chegamos para tomar café, as mesas estavam todas ocupadas e fomos levados para uma sala anexa onde tinha uma mesa só para nós. Encontramos o casal de alemães com quem jantamos em Villar de Mazarife. Cumprimentamo-nos de longe e no final do café, eles vieram até nós para se despedir e desejar “buen Camino”. Logo que chegaram à nossa mesa eu me levantei para cumprimentá-los e notei que eles gostaram da minha atitude. Muitas vezes deixamos passar essas oportunidades de ser gentil com as pessoas e fazer a diferença com um gesto tão simples como se levantar quando alguém chega para nos cumprimentar. É algo tão pequeno que nem valorizamos, mas aqueles alemães ficaram contentes. Educação e boas maneiras são bem vindas em qualquer lugar. Combinamos jantar juntos caso nos encontremos outra vez pelo Caminho.Na etapa de hoje em direção a Rabanal del Camino, planejamos fazer um desvio para conhecer Castrillo de Polvazares.
Trata-se de um vilarejo todo de pedra, das casas às ruas, que não faz parte do Caminho, mas vale à pena andar mais 1,5 kms para conhecer. Encontramos só um peregrino na cidade.
Antes de retomar o Caminho, na trilha deserta, ouvi um barulho distante que conheço há muito tempo, um avião passava bem alto, deixando a trilha de condensação, aquele rastro branco que os aviões imprimem no céu, produzido pelo calor das turbinas em contato com partículas de ar úmido e gelado. Lembrei de quando eu viajava pelo menos duas vezes por semana e lá de cima, ficava imaginando o que as pessoas faziam naqueles lugarejos distantes que eu estava sobrevoando. Sempre tive essa mania, primeiro me sentia um privilegiado por estar viajando na classe executiva e algumas vezes na primeira classe e depois ficava pensando naquelas pessoas que estavam naqueles lugares tão remotos. Como seria a vida delas ? Seriam felizes ? O que faziam para se sustentar ? Hoje estou aqui em baixo, no meio do nada e fico pensando o que aquelas pessoas daquele avião lá em cima estão fazendo ? Para onde será que elas estão indo ? Estão viajando a serviço ?, e novamente me sinto um privilegiado por estar aqui embaixo, caminhando, com o mínimo necessário para subsistir, feliz por ter tempo para fazer isso. Como o tempo muda nossa perspectiva e nosso pensamento, não ? Claro que para poder estar aqui embaixo hoje, tive que passar noites mal dormidas, trabalhar em datas especiais em que a maioria das pessoas celebram aniversários, Natal, Ano Novo. Esse foi o preço a pagar, mas, como já escrevi, “nada vem de graça, nem o pão nem a cachaça”. A primeira vez que fiz essa comparação foi quando me aposentei e fui morar na casa que construímos no Morro do Moreno, em Vila Velha, Espírito Santo. Numa madrugada, acordei e ouvi o velho barulho das turbinas lá longe e pensei sobre o que estariam fazendo aqueles passageiros e tripulantes viajando naquela hora da madrugada. Pensei que eu estivesse ficando do maluco. Talvez estivesse mesmo, maluco beleza, feliz por me sentir tranquilo, realizado e com tempo. Feliz por ter tempo para estudar filosofia com uma turma de outros malucos belezas que eu tanto admiro pelo desprendimento, pela busca do conhecimento, alguns com histórias de vida tão cheia de obstáculos e no entanto estavam lá na universidade, estudando filosofia, aprendendo a pensar. Admiro esses meus novos amigos filósofos. A convivência com eles e elas me desafia diariamente. A diferença de idade permite uma troca de experiência pela energia deles. Como eles dizem: boto fé !
Mas vamos voltar para o Caminho. Paramos em Santa Catalina de Somoza para relaxar e tomar um café para energizar a carcaça. A 300 metros da entrada do vilarejo, encontramos o casal de australianos e fomos tomar um café juntos. De tanto insistir, acho que eles vão nos visitar no Brasil no próximo ano.
Um pouco antes de passar por El Ganso, paramos para ler um cartão que estava numa cruz em memória a um casal de americanos de Chicago, sem mais explicações. No cartão estava um poema da escritora Linda Hogan (1947 – ) que cuja tradução livre diz o seguinte: “Caminhando. Eu estou ouvindo um caminho profundo. De repente todos os meus ancestrais estão atrás de mim. Fique firme, eles dizem. Olhe e ouça. Você é o resultado do amor de milhares”.
Faltando 2 kms para chegar a Rabanal del Camino a trilha fica mais difícil por ser uma subida mais acentuada e o solo muito irregular.
Demos graças a São Tiago por não estar chovendo. Chegamos no Posada El Tesín em tempo de almoçar e subir para nosso apartamento que ficava no final da escada do segundo andar, o que nos garante silêncio e tranquilidade para dormir bem. Amanhã o dia vai ser pesado, pois temos uma boa subida até a Cruz de Ferro, onde iremos deixar as pedras que estamos carregando desde o Alto del Perdón. Amanhã eu conto sobre essa tradição.
Ultreia e Suseia !
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