Caminho de Santiago – Burgos a Hornillos del Camino- 22° dia



Saímos para tomar café da manhã numa excelente padaria próxima ao hotel. Além da qualidade e da variedade de pães ainda quentes, o preço era razoável, bem mais barato que o café da manhã no hotel. Voltamos à rotina de peregrinos. Retornamos ao hotel para apanhar nossas mochilas e seguimos o nosso Caminho, que cruza a cidade e margeia a rodovia nacional N-120.

Muitos peregrinos na trilha. À proporção que nos aproximamos de Santiago de Compostela mais peregrinos se incorporam ao Caminho. O tempo estava agradabilíssimo e nós muito bem dispostos depois de uma noite bem dormida. Paramos para tirar os casacos pois o frio de 10° já havia passado e o sol brilhava com força. Bebemos água numa fonte natural e tocamos direto até Tardajos a 10.6 kms de Burgos.

Caminhamos mais 2.4 kms até Rabé de las Calzadas parando num bar para peregrinos. A Jenifer, funcionária do bar, foi super atenciosa conosco, nos deu uma medalha da Virgem Milagrosa e ofereceu uma sopa de pão que estava uma delícia. Como ainda era cedo e estávamos bem dispostos resolvemos encarar mais 8 kms até o próximo vilarejo, apesar de ser um longo trecho em leve subida e uma descida mais radical na chegada. Este trecho também não tem nenhuma área de apoio.

Chegamos em Hornillos del Camino cansados. Na frente de um bar uma placa nos lembrava quanto falta para chegar a Santiago de Compostela. Aproveito para explicar a razão pela qual não escrevo sobre quantos kilômetros caminhamos em cada dia. Quero evitar a pressão sobre nós mesmos e com isso apressar o nosso passo ou forçar a barra para atingir um número x de kilômetros por dia. Esta é a razão que estamos fazendo o Caminho de Santiago, o importante é o Caminho e não a chegada. Se não fosse assim não se chamaria Caminho de Santiago, e sim Chegada a Santiago de Compostela. As comparações com a vida são inevitáveis aqui. Temos pressa para tudo na vida e esquecemos de viver enquanto estamos buscando algo como dinheiro, fama, posição social e sucesso.  Sacrificamos nossa saúde, nossa família, deixamos os amigos de lado esquecendo de viver a vida hoje. Não existe saída fácil para o dilema de obter os meios financeiros para garantir uma vida confortável e digna, sem cair na tentação de focar somente na grana e esquecer de viver. O filósofo Aristóteles em sua Ética a Nicômaco refere-se à justa medida, que seria a resposta para este dilema. Encontrar a justa medida é que é o problema. Somente agora, acho que encontrei a medida certa de viver, valorizando o que realmente importa. Para isso tive que sacrificar a minha juventude e boa parte da minha vida. Vamos deixar esta sessão de autoajuda de lado e voltar ao Caminho.

Hornillos del Camino é um típico vilarejo medieval muito bem cuidado, tendo sido um dos cenários do filme The Way/O Caminho.

Acho que por causa desta fama a cidade vive lotada. Não tinha nenhuma acomodação para casal com banho privado e os albergues públicos e privados começavam a lotar com a turma que tínhamos deixado no Caminho. Por sorte o dono de um dos albergues que visitamos nos arranjou uma acomodação numa casa rural conhecida como El Molino, que fica a 6 kilômetros de distância e  a proprietária oferece o transporte de ida e volta. Acertamos tudo e fomos almoçar enquanto esperávamos a simpática Doña Milagros, a Mila.

A casa principal da propriedade chamada de El Molino é grande e imponente, tipo casa de fazenda, com oito  suítes. Conosco foi também um casal de australianos e ao chegarmos encontramos um casal de alemães. Doña Milagros, têm uma empregada mineira que mora na propriedade com o marido e a filha.
Aqui o Caminho imita a vida com suas surpresas e reviravoltas. Nada está garantido na vida, nada é para sempre e o acaso pode surpreender, por isso temos que estar abertos para o acaso, para o desconhecido. Olha só o que aconteceu.
O filme The Way/O Caminho surgiu quando um jovem americano chamado Taylor convenceu seu avô a acompanhá-lo no Caminho de Santiago. Como seu avô era uma pessoa muito ocupada, fizeram o Caminho de carro. Ao chegar na região em que estamos, Hornillos del Camino, neto e avô se hospedaram na mesma casa rural em que estamos. Pois bem, Taylor se apaixonou e casou com a filha da Doña Milagros, hoje minha amiga Mila, nome igual à esposa do meu amigo João Rabello que morou em Paris na mesma época que nós (mas esta é outra história que vou contar lá na frente). Taylor tinha agora mais uma razão para insistir com seu avô em fazer um filme sobre o Caminho. A partir daí surgiu a ideia de convidar os atores Michael Douglas ou Mel Gibson para o papel principal. Finalmente resolveram produzir o filme em família, tendo como diretor Emílio Estéves, pai do Taylor, e ator principal Martin Sheen, pai de Emilio e avô de Taylor.

Martin Sheen é o nome artístico deste grande ator. Seu nome de batismo é Ramón Antônio Gerardo Estéves e seu pai nasceu na Galícia. Àqueles interessados no Caminho de Santiago, recomendo que vejam o filme, com várias cenas rodadas nesta região, especificamente em El Molino.

Existe uma teoria matemática chamada “Seis graus de Kevin Bacon” que explica cientificamente que qualquer pessoa pode se conectar a qualquer pessoa no mundo, por mais importante que está outra pessoa seja, com apenas seis graus de distância, isto é, através de cinco pessoas. Acabei de provar esta teoria, pois baseado nela meu amigo Martin Sheen e eu estamos ligados por uma só pessoa, a Mila.

A conversa regada a um bom vinho rendeu boas gargalhadas quando eu falei da teoria dos “Seis graus de Kevin Bacon” e minha proximidade  com Martin. Prometi ser porta-voz do grupo numa mensagem a ele falando das coincidências da vida. No final do jantar recolhemos uma boa gorjeta para a mineira que nos serviu e cantamos todos, com sotaque alemão e australiano “oh Minas Gerais, oh Minas Gerais”.

Ultreia e Suseia !

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