Primeiro dia no Caminho de Santiago
Não dormimos muito bem devido a ansiedade pelo nosso primeiro dia do Caminho de Santiago. Nosso hotel, Gite Makila, que fica dentro da cidadela medieval de Saint-Jean-Pierre-de-Port, foi uma boa escolha. Ao lado do hotel está o escritório de acolhimento dos peregrinos, o que nos poupou tempo e mais uma caminhada, afinal, vamos encarar quase 800 kilometros daqui prá frente. As informações e orientações do escritório dos peregrinos são indispensáveis, além de ser o local credenciado a nos entregar a identidade de peregrino que teremos que carimbar em cada passagem para ter direito de receber a Compostela, que é o atestado de quem fez pelos menos 100 kilometros do Caminho. Nosso plano inicial era atravessar os Pirineus por Orisson, aonde tínhamos uma reserva no único albergue da região. Essa é a chamada rota de Napoleão, que tem uma beleza cênica privilegiada.
Devido ao mau tempo, fomos orientados a alterar nossos planos e atravessar os Pirineus por Valcarlos, pela Rota de Carlos Magno. As referências históricas estão por todo lado e irei citá-las sempre que possível, de acordo com a sua importância. Boa parte deste caminho que vamos fazer é feita por uma estrada normal, com mais infraestrutra e serviços, mas com um visual não tão belo quanto a rota de Napoleão. Uma regra a ser seguida nesse tipo de aventura é dar prioridade à nossa segurança. No escritório dos peregrinos lemos num jornal local que um casal de escoceses, sem kilt, havia se perdido num nevoeiro e por sorte foram resgatados pela polícia, que prioriza o atendimento aos peregrinos. Um grupo de coreanos também precisou ser socorrido nessa semana pelas mesmas razões. Essa alteração no roteiro altera apenas ao dois primeiros dias de travessia dos Pirineus.
Tomamos o café da manhã na nossa pousada, refeição bastante frugal, sem nada de especial. Na mesa estavam dois americanos, um jovem de Nova York e uma garota do Colorado, e alemã que por coincidência trabalha numa companhia aérea em Hanôver. Mochilas prontas, com peso acima do recomendável, apesar de toda a nossa preocupação em carregar o mínimo possível. Acho que isso aconteceu porque antes de embarcar para Saint Jean passamos na Decathlon de Paris e compramos peças “indispensáveis” para a caminhada: travesseirinho, boné, meias, e outros artigos descoladas mas, agora sabemos, totalmente dispensáveis. A regra de ouro é que mochila para longas caminhadas não pese mais do que dez por cento do seu peso. Para quem faz o Caminho o segredo é esquecer a expressão “e se”: e se eu necessitar de um saca-rolha, e se eu tiver que secar o cabelo. Em todos esses casos, dizem, o Caminho proverá uma solução.
Começamos a caminhada pela rue de la Citadelle, atravessando o Portão da Espanha. Na estrada encontramos peregrinos da Suécia, Chile, Canadá e vários americanos.
Os primeiros 5,9 kilometros até a fronteira entre a França e a Espanha foram super tranquilos, com pequenas subidas e descidas. Paramos para tomar um café num barzinho do povoado de Arneguy e testemunhamos o sentimento de orgulho da cultura basca presente nos dois lados da fronteira. Ao perguntar ao dono do bar se ainda estávamos na França ou se já havíamos chegado à Espanha, ele respondeu: nem um, nem outro, o senhor está no País Basco. A Comunidade Autônoma do País Basco é constituída de 17 comunidades espalhadas no extremo norte da Espanha e extremo sudoeste da França, região dos Pirineus. Tem uma mesma língua, mesma cultura e tradição, embora estejam em dois paises distintos. País Basco, em basco: Euskal Herria (terra do euskara).
O Caminho entre Arneguy e Valcarlos foi difícil. Muitas subidas e descidas, forçando-nos a parar algumas vezes para ganhar fôlego e prosseguir a caminhada. Finalmente chegamos em Valcarlos, cumprindo nossa missão de hoje após caminharmos os doze primeiros kilometros desta viagem. Fomos direto a uma cantina para almoçar e encontramos os primeiros brasileiros da caminhada. É claro que era um casal de baianos, sendo ele um ex-hoteleiro da Salvador, conhecido do meu amigo baiano Davidson Botelho. A conversa se estendeu durante o maravilhoso almoço basco, com vinho da região. Mas essa é outra história.
Amanhã teremos mais treze kilometros de subida dos Pirineus para alcançar Roncevalles.
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