O Desafio da Caverna

Há pouco o mundo parou para acompanhar o resgate dos 12 garotos de um time de futebol infantil tailandês e seu treinador, que ficaram presos em um complexo de cavernas no Norte da Tailândia. Foram 15 dias de desespero, sendo que os aventureiros ficaram 9 dias perdidos dentro da caverna, sem saber se seriam ou não encontrados.

Esta história me faz pensar na vida e nos processos que nos convidam a fazer um mergulho ao nosso próprio mundo interior. Acredito realmente que o drama vivido por esses meninos e seu treinador seja um chamado para toda a humanidade, que tem tanta dificuldade em entender e levar a sério a existência de um mundo interior.

Aliás, a maioria das pessoas sequer conseguem conceber a ideia de que exista um outro mundo paralelo ao da consciência, justamente pelo fato de que não somos inclinados e nem educados a prestar atenção a qualquer outra coisa que não esteja nitidamente aos nossos olhos.

Olhando de forma simbólica e metafórica, essa história de aventura pode ser um sinal da importância de olharmos para dentro de nós mesmos. Os meninos que se aventuraram na caverna podem representar a criança ferida que existe dentro de cada um de nós.

Todo adulto tem uma criança ferida dentro de si que carrega o abandono, a rejeição, o medo e o choro. Todos esses sentimentos tão angustiantes que trazemos ao longo da nossa vida acabam se refletindo de forma assustadora na vida adulta.

Os anos vão se passando, os compromissos e obrigações vão ocupando cada vez mais espaço e, por conta disso, somos obrigados a trancafiar a nossa criança no calabouço da nossa alma.

A criança ferida, genuína e pura, mas também autêntica, é quem sofre com as dificuldades da vida adulta, é quem atravanca os relacionamentos e que causa dificuldade no avanço do nosso processo individual de evolução. No livro "O Desenvolvimento da Personalidade", Jung afirma que "em todo adulto espreita uma criança - uma criança eterna, algo que está sempre vindo a ser, que nunca está completo e que solicita cuidado, atenção e educação incessantes. Essa é a parte da personalidade humana que quer desenvolver-se e tornar-se completa".

A criança ferida fica ali no escuro da caverna, em busca de reconhecimento, amadurecimento e liberdade. Esta caverna, arquétipo do útero materno, figura nos mitos de origem, de renascimento e de iniciação de numerosos povos. O antro, cavidade sombria, região subterrânea de limites invisíveis, temível abismo, que habitam e de onde surgem os monstros, é também um símbolo do inconsciente e de seus perigos, muitas vezes inesperados.
As crianças e o treinador passaram 15 dias dentro da caverna escura, numa verdadeira imersão.

Ali tiveram que encarar a fome, o escuro, o medo e a incerteza de que sairiam vivos. A água barrenta, que tomava conta do entorno do pequeno espaço de rocha onde estavam agrupados os meninos, poderia subir a qualquer momento e dar um fim trágico a essa história. Ali os meninos tiveram que desafiar sua própria sombra, representada pelo medo, a fome, a saudade dos pais, o choro, a possível agressividade diante da situação e tantos outros monstros que possam surgir num drama como esse.

A aventura desses meninos na caverna cobra de toda a humanidade um olhar mais amplo para o nosso ser. Comecemos a nos olhar por completo, como seres formados por consciência, mas também por inconsciente. Precisamos ter a coragem de entrar dentro da nossa caverna íntima, escura e assustadora.

É somente mergulhando no mais profundo do nosso ser que podemos evoluir como pessoa individual e também como humanidade. Olhar para a nossa criança interior é reconhecer as nossas necessidades do presente e nos preparar para a realização em nossas vidas.
Foram 13 pessoas que entraram na caverna.

O arcano de número 13 no tarô é a carta A Morte, que representa o fim de um ciclo, um momento de encerramento e transformação. Esta carta anuncia o rompimento dos laços com o passado e o amadurecimento. É estranho imaginar que a carta A Morte, na verdade, significa vida, mas podemos entender que precisamos nos livrar do velho para dar espaço ao novo. Precisamos deixar morrer o velho EU para dar espaço a uma nova pessoa dentro de nós. É a hora do renascimento.

Joguemos fora a máscara de puros e perfeitos. No mundo já não há mais espaço para encenação. Precisamos encarar o que nos dá medo e que está dentro de nós. Necessitamos assumir aquilo que achamos errados em nós mesmos, mas que tentamos tanto esconder e apontar no outro. Mergulhar no fundo do inconsciente, encontrar a nossa criança ferida, tirar a máscara e assumir a sombra para nós mesmos não é um processo fácil. Porém, é preciso dar o primeiro passo.

Você está preparado para entrar na sua própria caverna?

Thiago Guimarães é psicoterapeuta junguiano e atende crianças, adolescentes, adultos e casais. Atua em São José do Rio Preto e São Paulo. É palestrante, ministra cursos, workshops e escreve sobre relacionamento, comportamento e bem-estar.

Comentários