Lições de Tóquio

Por Cesar Souza e Maurício Barros, coautores do recém-lançado “Descubra o Craque que Há em Você” (Buzz,2020)

Lições de Tóquio -


Imagem: reprodução/internet


Os esportes são resultado da extraordinária capacidade do ser humano de medir capacidades, testar seus limites com os outros e consigo mesmo – e brincar com o próprio corpo. Os Jogos Olímpicos mostram o quão longe temos ido nessa esfera lúdica e competitiva. A cada quatro anos, o mundo para duas semanas para apreciar, entorpecido, esse balanço evolutivo. Vamos nadar mais rápido? Levantar mais peso? Saltar ainda mais alto? Fazer mais cestas e gols? Bater novos recordes?
Os Jogos deste ano foram diferentes. No passado, guerras impediram três Olimpíadas, boicotes esvaziaram outras duas, atentados idem. Mas nenhuma das 31 edições anteriores havia acontecido com uma pandemia em curso. Até Tóquio 2020. O Japão viu sua segunda Olimpíada adiada em um ano pela Covid-19, e a emergência sanitária global retirou de estádios e ginásios o público, sua razão de ser. Ver uma final de 100 metros rasos em um estádio olímpico completamente vazio é de uma tristeza cortante.
Sobrou a TV. E eis que, paradoxalmente a distância, nunca estivemos tão dentro da vida dos atletas. As redes sociais os transformaram em produtores incansáveis de conteúdo. Conseguimos conhecer seus quartos, suas camas, seus rituais de treino e preparação. E descobrimos, veja só, que também são humanos!
Tóquio-2020 ficará, para sempre, como a Olimpíada da diversidade e da inclusão, onde um jogador de vôlei da mais poderosa seleção virou sensação por mostrar-se exatamente como é – atleta, gay e orgulhoso por isso. Tóquio será também a edição onde um atleta de uma seleção de futebol favorita celebrou seu gol enaltecendo Oxóssi, seu orixá. Onde uma medalhista de levantamento de peso cruza os braços em “x” no pódio em solidariedade a “todos os oprimidos”.
Mais notável ainda é o que aconteceu com quem era tida como a maior estrela dos Jogos: Simone Biles, a super ginasta americana. No primeiro dia de competições, ela falhou de forma surpreendente na aterrissagem do salto. Logo depois, chocou o planeta ao anunciar sua desistência das provas por problemas emocionais. A Federação de Ginástica dos EUA apoiou sua decisão. Biles só voltaria a competir no último dia, apenas em uma modalidade, na trave, onde conquistou o bronze.
Seu problema foi descrito pela imprensa como “twisties”: perda da noção do espaço durante a execução das acrobacias. Imagine você o risco de ter um apagão durante um salto mortal e, simplesmente, não saber como nem onde vai pousar...
A maneira quase unânime como a opinião pública reagiu, entretanto, foi notável. A solidariedade para com a ginasta foi tanta que o que, em outros tempos, seria considerado fraqueza, foi decantado como coragem. Dar um passo atrás, muitas vezes, é a coisa mais certa a se fazer. Ela demonstrou grande sabedoria no quesito autogestão.
Como nunca antes, nos soou tão clara a força do esporte como ecossistema perfeito para refletirmos sobre a natureza humana e seus desafios de uma forma prática e apaixonante. É uma fonte estupenda em ensinamentos para o sucesso individual e coletivo em qualquer atividade profissional. E, certamente, traz inúmeras lições para quem habita o mundo executivo. A essência desses ensinamentos está compilada em nosso livro “Descubra o Craque que há em Você”. Utilizamos casos emblemáticos de várias modalidades, atletas e treinadores, para ilustrar de modo claro e apaixonante as cinco alavancas essenciais para o sucesso na profissão e na vida: Integração, Determinação, Superação, Inovação e Autogestão.
Para nós brasileiros, estes Jogos de Tóquio trouxeram uma série de surpresas. Certamente, seus casos vão ilustrar uma nova edição de nosso livro. As provocações já estimulam debates: que lições de superação podemos aprender com o extraordinário feito da brasileirinha-raiz Rebeca Andrade, a primeira atleta nacional a conquistar duas medalhas, ouro e prata, na mesma Olimpíada? E com Alison dos Santos, que sofrera um acidente doméstico aos 10 meses de idade e fez o seu bronze brilhar intensamente nos 400 metros com barreira? Com os ouros de Ana Marcela na maratona aquática e de Hebert Conceição no boxe? E de Isaquias Queiroz, na canoagem? Com a coragem de enfrentar as ondas como fez o potiguar Ítalo? E a ternura transmitida pela “Fadinha” maranhense?
E o que dizer sobre determinação, resiliência e disciplina com a conquista também histórica de duas duplas femininas: Martine Grael e Kahena Kunze, que colocam na bagagem pela segunda vez o ouro na vela; e Luísa Stefani e Laura Pigossi, que ganharam a primeira medalha olímpica do tênis brasileiro?
Podemos citar ainda as conquistas brasileiras no surfe, no skate, nos 50 metros nado livre e no boxe feminino. O empenho do handebol feminino, a prata da seleção feminina de vôlei. E considerar, também, as derrotas, como das quatro duplas do vôlei de praia e da equipe de Renan Dal Zotto no masculino. A maior tristeza, talvez, seja a eliminação da seleção feminina de futebol, com o adeus da grande Formiga, que deixa a seleção sem levar um título depois de sete olimpíadas – e ainda o outono na carreira de Marta, que deixou incerta sua participação em Paris 2024.
Apesar da redução em quase metade no investimento do governo federal para este ciclo em relação à Rio-2016 (o que, por si só, já é uma preocupação e precisa ser questionada), o Brasil encerrou Tóquio-2020 com sua melhor campanha na história dos Jogos: 21 medalhas, sendo 7 de ouro, 6 de prata e 8 de bronze. Uma coleção de conquistas (e revezes) que suscitou em todos nós alegria, tristeza, êxtase, frustração, solidariedade... O que não é surpresa é a enorme relevância do esporte como universo privilegiado para reflexão e aprimoramento.
Tóquio nos ensinou outra grande lição: o exemplo da superação, dado por pessoas simples e batalhadoras que se transformaram em atletas vencedores e resgataram, pelo menos por alguns instantes, um pouco da esperança no futuro do nosso cambaleante País.



César Souza: Cofundador e Presidente do Grupo Empreenda. Membro Investidor do BR Angels. Membro do Conselho de Administração de diversas empresas e ONGs. Consultor, palestrante e autor de diversos bestsellers, com cerca de 500 mil livros vendidos, inclusive “Seja o Líder que o Momento Exige”. Foi considerado um dos 200 Global Leaders for Tomorrow, pelo World Economic Forum em Davos, Suíça. Souza é também Curador da Galeria de Líderes do Líder S/A. 

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