O fim da era dos celulares se aproxima?

Por Omarson Costa, colunista do Líder S/A

O fim da era dos celulares se aproxima? -


Imagem: reprodução internet


Numa certa tarde de maio de 2012, um dos fundadores do Google Sergey Brin foi visto passeando por uma rua de São Francisco com óculos estranhos que o deixavam com aparência ainda mais esquisita. Ele testava o que mais tarde ficou conhecido como Google Glass. O design pouco atraente do gadget espantou os consumidores e os poucos que arriscaram comprá-lo ganharam o apelido pouco edificante de "glassholes".

Quase uma década mais tarde, dá pra dizer que a tecnologia vestível passou a ser vista de outra forma, com um misto de curiosidade, fascínio e de chance de investimento. Longe de ser uma excentricidade consumista, os especialistas projetam que os wearables serão a nova febre tecnológica, agora que os smartphones se tornaram dominantes.

O nome é razoavelmente auto-explicativo para quem é fluente em inglês. Na língua de Shakespeare você veste roupas, mas também relógios, óculos, sapatos... Logo, wearable é todo objeto que se pode usar no corpo e incorpora ao estilo de vida das pessoas alguma função eletrônica. Ele será tão mais sofisticado quanto sua capacidade de conexão e troca de dados entre o dispositivo e uma rede. Se no início, os relógios inteligentes dependiam de um aplicativo de celular para funcionar, hoje eles estão ganhando autonomia.

Além dos objetos citados acima, cintos, fones de ouvido sem fio, acessórios costurados, jóias, implantes, adesivos e até mesmo tatuagens podem, em certa medida, substituir alguma das tarefas para as quais usamos hoje o smartphone.

Os wearables já representam um mercado volumoso. Em 2020 foram encomendadas 266,3 milhões de unidades com tecnologia de ponta no mundo, número que deve atingir 776,3 milhões em cinco anos, um crescimento anualizado de quase 20%, de acordo com a consultoria Mordor Intelligence.

Mais que isso, a Cisco Systems afirmou que havia 593 milhões de dispositivos vestíveis conectados em 2018 e a expectativa é de que tenhamos 1,1 bilhão em 2022. Em termos de comparação, foram vendidos 1,3 bilhão de celulares no mundo ano passado.

O grande impulso para os wearables foi a categoria fitness, com a popularização dos smart watches, de marcas como Apple, Fitbit e Samsung que registram atividade física e monitoram batimentos cardíacos entre outras funções de produtividade.

Quando o Apple Watch foi lançado em 2015 artigo do New York Times fez uma previsão sombria para o futuro dos relógios suíços, o padrão de excelência no setor. A indústria nasceu em Genebra em 1541 e ao longo dos séculos foi não apenas símbolo de prestígio, mas também de inovação. Foi lá que surgiu o relógio de pulso, o relógio a quartzo, o primeiro à prova d'água, o mais fino, as telas de LED e LCD.

 
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Conforme mostra o gráfico acima, essa indústria que é coisa de 40 anos mais nova que o Brasil,  em seu conjunto, vendeu em 2019 menos unidades que o Apple Watch. Fosso que aumentou em 2020, com exportação de apenas 13,8 milhões de unidades contra a venda de 34 milhões do smartwatch da maçã, que a essa altura já está em mais de 100 milhões de braços ao redor do mundo.

O Google desenvolveu um WearOS que deu finalmente acesso ao mercado a fabricantes dos relógios tradicionais, como Armani e TAG. A tendência atual do desenho dos dispositivos é aumentar a tela, como na geração 7 do Apple Watch, que acaba de desembarcar no Brasil.

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O desenvolvimento de sensores de fibra óptica vem substituindo os modelos tradicionais nos tecidos e roupas, pelo tamanho substancialmente menor e capacidade de medição mais precisa. Outras companhias como a Lucyd focam no aspecto ergonômico, reduzindo peso e tamanho dos dispositivos que precisam ser utilizados na cabeça.

Grandes exposições como a Consumer Electronics Show e a IDTechEx Show têm deixado claro a velocidade da evolução tecnológica em vários segmentos desse mercado, avaliado pelo relatório de Wearables do IDTechEx em US$ 80 bilhões em 2020.

De acordo com o trabalho "Global Wearables Market (2021-2025)" da consultoria ResearchAndMarkets.com, até 2025, o mercado deve atingir US$ 116,8 bilhões, com CAGR de 17,12%. A maior praça ainda são os EUA pelo fato de terem grandes players e a Apple dominando o market share, mas a Ásia logo se tornará o grande pólo consumidor desses produtos.

No Brasil, a pandemia também deu um empurrão no mercado de wearables em 2020. Duas categorias de dispositivos surpreenderam nas vendas. Foram comercializadas 1.394.857 de fitbands e smartwatches, ou 81% sobre o resultado de 2019, e 569.781 fones de ouvido truly wireless com alguma conexão com a internet ou função inteligente, o que significa uma variação de 284%. Somando as categorias, a receita atingiu R$2,2 bilhões. Os dados são da IDC Brasil, que passou a estudar no ano passado também a categoria de fones de ouvido sem fio integrados a outros dispositivos.

Oliver Amft, pesquisador da universidade alemã de Friederich-Alexander de Erlanger-Nuremberg, considera que a computação vestível está entrando em sua fase mais animadora, em que deixa de ser dedicada essencialmente a protótipos ou produtos experimentais e parte para a formação de mercados sustentáveis e indústrias, o que, por sua vez, realimentam o direcionamento de pesquisa e inovação.

Veja o caso, por exemplo, da startup ETH Mithras Technology que desenvolveu um jeito de o calor do próprio corpo do usuário funcionar como um gerador termoelétrico para recarregar as baterias de vestíveis e outros dispositivos eletrônicos. O MVP foi um adesivo capaz de medir a temperatura corporal de seres humanos e não precisa de bateria. As aplicações médicas e de cuidado à saúde são inúmeras.

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O adesivo que utiliza o calor do próprio corpo para alimentar dispositivos. Fonte: Mithras Technologies


Em média, o corpo humano irradia continuamente cerca de 100 watts de energia térmica, a maior parte da qual é dissipada no ambiente em que a pessoa está. Seria exatamente essa energia “desperdiçada” que a Mithras pretende aproveitar.

Enquanto o campo dos tecidos, adesivos e tatuagens ainda está na sua infância em termos de desenvolvimento tecnológico, os dispositivos dos segmentos fitness e de saúde indicaram o que se acredita ser o caminho da indústria de wearables nos próximos anos.


Resiliência e validação de longo prazo – métodos precisam ser aperfeiçoados para coletar dados de forma consistente por períodos de tempo longos.
Benchmarks e Evolução – wearables precisam passar por testes clínicos que determinem sua precisão, no caso de prometerem benefícios físicos e fisiológicos.
Software Sustentável – Os sistemas operacionais para o ecossistema de dispositivos ainda está bastante disperso. Com o tempo deve haver uma consolidação no sentido de se criar um padrão que sirva a múltiplos aparelhos.
Compliance – Num futuro próximo, haverá uma série de sistemas vestíveis convivendo no corpo de cada usuário, o que torna a interoperabilidade um fator crítico.


A batalha dos óculos

Mesmo com o fracasso do primeiro Google Glass, as techies não esmoreceram na tentativa de aperfeiçoar dispositivos de realidade virtual, aumentada e mista que sejam vestíveis.

Mark Zuckerberg e seu VP de AR/VR Andrew Bosworth admitiram, em uma sessão de Q&A no Instagram, estarem desenvolvendo um novo sistema operacional, o que faz todo o sentido com a recém anunciada estratégia de mudar o nome da corporação para Meta e de investir no Metaverso, um "mundo" para se interagir virtualmente. 






Exibição dos Ray-Ban Stories / Fonte: Estadão


E como se interage virtualmente? Através de óculos. Isso explica a parceria do Facebook com a tradicional fabricante Ray-Ban. Os Ray-Ban Stories, segundo Zuckerberg, vão permitir tirar fotos, fazer vídeos curtos, ouvir música e fazer ligações. Por enquanto… A grande vantagem do modelo é ter um desenho que se aproxima muito de um par de óculos comum, o que resolve a sensação esquisita dos usuários da primeira geração do Google Glass.

Uma das questões mais sensíveis envolvendo os smart glasses é a privacidade. As pessoas precisam ter consciência de quando estão sendo filmadas ou fotografadas em público. A maioria se sente desconfortável diante dessa possibilidade. Só que vários interlocutores de pessoas que testaram esses gadgets não entenderam quando estavam efetivamente sendo capturadas pelas câmeras embutidas.

Só que nem sempre a câmera é uma perturbação. O Google agora está desenvolvendo uma segunda geração dos seus smart glasses voltada para o uso corporativo, o que muda a predisposição das pessoas, quando sabem de antemão que todas possuem o mesmo tipo de equipamento para uma aplicação determinada.

Outro uso benéfico de câmeras em wearables vem da Amazon, que comprou uma empresa desenvolvedora de um anel com uma microcâmera. Ele está sendo usado na Flórida pelas forças policiais e por pessoas sob ameaça para efeito de proteção.

Com a disseminação do 5G e o avanço das interfaces os wearables podem ultrapassar uma de suas maiores barreiras para aceitação pelo consumidor médio, que é o tamanho das telas, num mundo de celulares com visores de 11 polegadas. A internet de alta velocidade do 5G tornaria possível o uso de hologramas, liberando o usuário dos limites da tela física e integrados com comandos por voz ou gestos.

A tendência é de que o desenvolvimento tecnológico e de pesquisa gerem uma enxurrada de novos produtos de nicho no segmento de wearables, mas são os smart glasses que devem fazer a diferença em termos de rentabilidade para essa indústria, possivelmente destronando os smartphones do posto de mais relevante dispositivo em nossas vidas em algum momento no futuro. E ele provavelmente nem está tão longe assim.



Omarson Costa é executivo C-level e atuou na América Latina desde startups até empresas da Fortune 500 nas áreas de telecomunicações, internet, mídia, entretenimento, varejo e finanças. Ajudou a estruturar a operação da ROKU (Diretor Geral) no Brasil e atuou como Diretor de Desenvolvimento de Negócios da Netflix. Trabalhou em grandes organizações como Mastercard, Microsoft, Telefónica, Nokia e HP. Atualmente é Diretor de Negócios na Accenture e conselheiro de administração para empresas dos setores de telecomunicações, serviços, publicidade e educação, além de colunista para IstoÉ Dinheiro, Teletime e SBT Interior.

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