A ideologia bolsonarista

A ideologia bolsonarista - Agência Brasil


Há muita impropriedade no debate atual acerca do bolsonarismo, uma vez que o próprio presidente e sua família, além do seu séquito mais próximo, se caracterizarem, segundo os cenários, como conservadores ou liberais. É como se eles, e só eles, fossem os verdadeiros representantes de uma cruzada contra a esquerda, também por eles identificada como comunista. Ademais, jornalistas engajados, de um lado ou outro do espectro partidário, incorrem no mesmo “erro”, por assim dizer, compartilhando do mesmo amálgama ideológico. Não se vê adequadamente a realidade quando nossos conceitos são impróprios para abordá-la.


Liberais e conservadores. Trata-se, de fato, de uma máscara adotada pelo bolsonarismo, utilizada a seu bel proveito, com objetivos claramente eleitorais. Não pegaria bem apresentar-se como de extrema-direita, quando é isto, de fato, que está em questão. De liberal, é fácil constatar que o governo não se ateve a nenhuma de suas promessas. Mais especificamente, prometeu um trilhão em privatizações, nada fez, além de ter criado duas empresas estatais. Tampouco respeita contratos, algo fundamental na doutrina liberal, como foi o caso do calote dos precatórios. Fura a lei do Teto de Gastos, em mais uma amostra de sua irresponsabilidade fiscal. De conservador, apregoa defender os valores da família, tentando capturar aqui o voto evangélico. No sentido próprio do termo, conservador significa conservar as instituições, legitimá-las, suscitar adesão a elas, como é o caso exemplar da Inglaterra. Ideias de insegurança jurídica e política são completamente estranhas a um pensamento conservador. O respeito às instituições, reitero, é central.

Bolsonarismo. O bolsonarismo, a partir do momento em que o presidente Bolsonaro ganhou as eleições, sendo até então ideologicamente desconhecido, por ser principalmente corporativo, fisiológico e oportunista, passou gradativamente a assumir posições de extrema-direita. Tal processo foi capitaneado por seus filhos, sua família próxima e ampliada, tendo como guru Olavo de Carvalho, e tentando se espelhar na extrema-direita americana, também dita equivocadamente conservadora. Eis algumas de suas características principais:  a) posicionamento antidemocrático ao considerar todo adversário político não como alguém que compete legitimamente pela conquista do Poder, mas como um inimigo a ser eliminado sob quaisquer circunstâncias. Trata-se aqui da retomada da posição de um ideólogo do nazismo, Carl Schmitt, que definiu a política como uma luta à morte entre amigos e inimigos; b) fé em um Líder, Bolsonaro, tido por um “mito”, cuja fala, por mais insensata e absurda que seja, é tomada por verdadeira. O presidente sempre teria razão, embora essa seja desconhecida por todos. As maiores impropriedades, o completo desapego pela verdade, é simplesmente objeto de uma adesão incondicional, como se as pessoas não mais pensassem por si mesmas; c) a deslegitimação das regras eleitorais, como se a fraude fosse a sua essência, advogando pela recusa da votação eletrônica, sendo essa uma forma de dizer que os resultados eleitorais não deverão ser obedecidos. O único critério seria a voz do Líder e de suas milícias digitais; d) mobilização de milícias digitais, que são caracterizadas como a organização de um grupo de fanáticos, que propagam e repercutem tudo o que o presidente e sua família dizem, segundo uma crença absoluta, não havendo nenhum espaço para a dúvida e os questionamentos; e) traço relevante é a luta contra a vacina e as campanhas de vacinação, agora em relação às crianças, em uma completa negação de todos os critérios e parâmetros científicos, propagandeando a ignorância e, sobretudo, a morte. A conservação da vida cessa de ser fundante do laço social e político, sendo substituída pela pregação da morte.