A Rússia e a OTAN

A Rússia e a OTAN - Reprodução


O noticiário nacional e, mesmo, internacional a respeito da crise entre a Ucrânia e a Rússia tem sido apresentado como se se tratasse de uma coisa clara, sem distinções e nuances, entre democracia e autocracia, lá não estando envolvidas primordialmente questões de geopolítica e de diferentes interesses nacionais. Mais especificamente, que a Rússia não seja uma democracia é evidente, mas o mesmo se pode dizer da Ucrânia, sendo países sem tradição democrática. Contudo, o mais relevante diz respeito às posições geopolíticas, aí incluindo militares e diplomáticas, dos EUA e da OTAN, uma aliança militar criada depois da Segunda Guerra com o intuito de defender os país europeus ocidentais e de conter a ameaça comunista. Ou seja, esteve desde o seu início voltada contra a União Soviética.


OTAN. Pode-se dizer, neste sentido, que a OTAN tinha uma finalidade particular quando de sua criação, estando historicamente e politicamente justificada. Contudo, a história muda e com ela as instituições nacionais e internacionais, assim como o panorama geopolítico. Quando da derrocada da União Soviética e do mundo comunista, levando consigo o Pacto de Varsóvia, a aliança militar dos países socialistas do Leste Europeu, tornou-se uma questão pertinente a existência ou não da OTAN, considerando que a ameaça comunista tinha desaparecido. A União Soviética, sendo desmembrada, fragmentada, não tinha mais condições de exercer nenhum poderio propriamente militar e, menos ainda, diplomático. A Rússia, enfraquecida, tenta manter sua posição, com seus países satélites ganhando independência. Encolhida, ficou em uma posição defensiva.

Segurança internacional. Em tal cenário, tornou-se obrigatório um redesenho da geopolítica internacional, com novos atores e os antigos exigindo uma redefinição de suas funções. À época, cogitou-se, inclusive, que a Rússia, não comunista, viesse a fazer parte de um novo pacto de segurança internacional, de modo que a Europa, e portanto o mundo, viesse a se tornar um lugar mais seguro, com as antigas fronteiras nacionais sendo progressivamente desmilitarizadas. Ora, este redesenho possível, que teria impedido que os conflitos atuais, como o da Rússia e Ucrânia, acontecessem, não foi o caminho seguido. Os EUA e a OTAN continuaram considerando a Rússia como uma inimiga, abrindo suas portas à adesão dos países da Europa do Leste, isto é, os que tinham sido comunistas. O resultado prático é que houve a adesão da Polônia, Hungria, Romênia e dos países bálticos, tendo como consequência o deslocamento de tropas e mísseis para as fronteiras mesmas da Rússia. Imaginem se mísseis russos fossem colocados no México, em Cuba ou na Venezuela.

Medo. A Rússia sentiu-se cercada, atualizando seus medos históricos de ser invadida. Em séculos recentes, este país foi invadido a cada 33 anos em média. Preparou-se durante anos para reverter esta situação, tida por ela como geopoliticamente insustentável. Modernizou suas Forças Armadas, tem um processo político de decisão rápido, encarnado na figura autoritária do presidente Putin. Basta lembrar a fulminante anexação da Crimeia, não deixando aos países ocidentais nem o tempo de reagirem. Procura ela, portanto, reverter o que considera como um cerco, exigindo da OTAN retirar-se de suas antigas zonas de influência, tornando-as zonas desmilitarizadas e livres de mísseis. Evidentemente, colocou o patamar de negociações em um nível muito elevado, tendo como objetivo central, porém, fazer com que a Ucrânia não entre nesta aliança militar ocidental.

Estopim. O estopim da crise atual foi a disposição dos atuais governantes ucranianos de criarem as condições de entrada de seu país na OTAN, alterando ainda mais o equilíbrio geopolítico já instável da região. Os EUA e o Reino Unido não querem nada recuar, enquanto a Alemanha e a França estão mais propícias a uma negociação, levando em consideração as demandas russas. A Alemanha, em particular, nem armas mais quer vender à Ucrânia. A França aumenta os seus esforços diplomáticos, cogitando da possibilidade de que este país não ingresse nesta aliança militar, atendendo aos interesses russos. O jogo não está ainda jogado. E os russos estão mostrando muita determinação, enquanto os americanos e ingleses estão se contentando por enquanto com uma guerra midiática e eventuais sanções econômicas. Aliás, nenhum dos países da OTAN está disposto a guerrear diretamente, com tropas, mísseis e aviões entre outros meios de combate. Se houver guerra, a Ucrânia cairá sozinha e os países ocidentais acabarão por se compor novamente com a Rússia, como sempre aconteceu historicamente.