Inumeráveis: para humanizar e fugir da estatística, memorial online lembra com amor das vítimas da covid-19

Espaço criado por artista reúne equipe de revisores, jornalistas e pesquisadores; familiares também podem enviar suas homenagens

Inumeráveis: para humanizar e fugir da estatística, memorial online lembra com amor das vítimas da covid-19 -


Em um período de tanta dor, agonia e tristeza, a pandemia da covid-19 transformou vidas em números e histórias em saudade. Isso é inegável. Embora a luta em lembrar de cada vítima como uma vida especial, com família, amores, amigos e histórias, as mortes foram tantas no Brasil que falar da covid sem citar as quase 600 mil mortes até agora é impossível.


A nova realidade trouxe angústia, medo e, para ser sincero, desespero em muitas pessoas, todas trancadas em casa. Uma dessas pessoas foi o artista Edson Pavoni. Habituado a pensar em sociedade e suas formas de conexão, ele se sentiu desafiado em estabelecer uma nova relação entre as pessoas e a estatística.

Acordamos todos os dias com números novos e entramos nessa lógica estatística. Falamos mais sobre o nosso desejo de que isso acabe logo, e menos sobre a vida do seu Edgard, da dona Eunice, que não tem volta”, problematiza.

Pensando nisso, ele criou o Inumeráveis, um grande memorial virtual que publica relatos pessoais de cada vítima da covid-19. Os relatos são feitos com base nas memórias dos familiares das vítimas e se estruturam em tom poético. "Não há quem goste de ser número, gente merece existir em prosa", diz Pavoni.

Há uma equipe que faz parte do trabalho coletando informações, escrevendo e editando os textos publicados. Há pesquisadores, escritores, revisores e outros profissionais envolvidos neste projeto tão humano. Existe, ainda, o trabalho voluntário, feito por jornalistas ou estudantes de jornalismo que podem se juntar ao time para encontrar essas histórias e escrevê-las. "É uma forma de nos opormos ao conflito e desse jeito muitas vezes desumano de lidar com a situação", diz Pavoni.

HISTÓRIAS DE TODOS OS TIPOS

O site carrega lembranças boas das vítimas da covid-19 e traz relatos de pessoas de todas as idades que se foram e não tiveram a oportunidade de tomar a vacina. Uma delas é a de Paolla Machado Romão, de apenas 18 anos, que morreu em Campinas (SP) neste ano.

"A luz de Paolla emanava na vida de seus familiares, de seus amigos e de todos que tiveram a chance de conhecê-la. Era apaixonada pela vida, viveu cada segundo de sua vida com uma intensidade e um amor característicos dela. Foi uma irmã, filha, namorada, neta e amiga em todos os momentos, fossem bons ou ruins. Fazia de seus amigos parte de sua família e tratava a todos que amava como se fossem sangue do seu sangue", escreveu a prima, Eduardo Aparecida Machado Gomes, em maio deste ano.

A saudade também é retratada após a morte de Ilineu de Oliveira Barbosa, de 80 anos, nascido em Belo Horizonte (MG) e morto em março deste ano. "Um avô que ensinou que o amor está estampado nas pequenas coisas da vida, basta você olhar com calma e ternura. Honesto, respeitoso e muito amado pela família e pelos amigos, Ildeu era daquele tipo calmo, feliz e, sobretudo, o dono dos melhores abraços, que distribuía generosamente entre os filhos, quatro netas e também para o pequeno Eduardo, o bisneto", escreve o neta, Marina Barboza Azevedo.

Por mais que a dor prevaleça e a saudade nunca vá embora, num mundo tão tecnológico e cheio de facilidades, ter um espaço digital para ler, escrever e homenagear as vítimas da covid-19 é mais do que um gesto de respeito: é um gesto de amor.