O que explica a catástrofe da covid-19 na Índia?

Com sistema em colapso e mais de 300 mil casos diários, país quebra diariamente recorde mundiais de infecções, numa desastre que, segundo especialista, era evitável e ainda não atingiu seu auge

O que explica a catástrofe da covid-19 na Índia? - DANISH SIDDIQUI/REUTERS


Diariamente, a Índia vem registrando recordes mundiais de infecções por covid-19. Só nas últimas 24 horas, foram mais de 346 mil casos e 2.624 mortes. O sistema de saúde do país está em colapso, e médicos alertam que todos os hospitais enfrentam falta de medicamento e estão com os estoques de oxigênio perto de se esgotar.


Em entrevista à DW, o cientista Gautam Menon, professor da Universidade de Ashoka, afirma que uma combinação de fatores levou ao atual desastre humanitário indiano, que era evitável.  "A negligência por parte dos cidadãos e das autoridades fez todos baixarem a guarda”, diz.

DW: O que levou à atual tragédia na Índia?

Gautam Menon: Há muitos fatores. A negligência por parte dos cidadãos e das autoridades levou todos a baixarem a guarda. Possíveis reinfecções por causa da perda de anticorpos e o surgimento de novas variantes contribuíram para o surto.

A variante "com mutação dupla”, conhecida como B.1.617, detectada pela primeira vez no estado indiano de Maharashtra, é atualmente a predominante no país e é letal e mais infecciosa. Existem também outras variantes, como as encontradas no Reino Unido e no Brasil, que estão se espalhando mais rapidamente no país.

O sequenciamento genético indica que as infecções causadas pela variante indiana estão aumentando em todo o país.

Mas a menos que saibamos até que ponto o aumento das infecções pode ser atribuído à nova variante, não seremos capazes de determinar conclusivamente se o laxismo em seguir o comportamento apropriado para combater a covid impulsionou o surto ou se a maior virulência da nova variante é a principal responsável.

Por que a variante com dupla mutação é mais infecciosa e letal?

Ela tem duas mutações críticas que poderiam levar a uma maior capacidade do vírus de se ligar a células humanas. Isso a torna mais eficiente.

A variante B.1.617 do Sars-CoV-2 carrega duas mutações, E484Q e L452R. Ambas são encontradas separadamente em muitas outras variantes do coronavírus, mas foram relatadas juntas pela primeira vez na Índia.

O que é mais preocupante é que esta variante está mostrando a capacidade de escapar do sistema imunológico humano e escapar dos anticorpos criados por uma infecção anterior ou pela vacinação.

O que precisa ser feito agora para colocar a situação na Índia sob controle?

A maioria dos hospitais em todo o país tem agora níveis perigosamente baixos de suprimento de oxigênio. É importante que os agentes privados e a indústria unam forças com o governo para aumentar a capacidade.

Seguindo adiante, acho que os governos estaduais devem agir adequadamente e adaptar suas medidas à evolução da situação.

É importante restringir as reuniões em locais públicos como shopping centers e salas de cinema. Um lockdown nacional para controlar a propagação do vírus seria um passo extremo, economicamente desastroso.

Era uma tragédia evitável?

Em fevereiro, soubemos da nova variante que circula na Índia, a partir de relatos vindos de Maharashtra. Agora ela se espalhou por muitos estados e países. Se tivéssemos agido com mais precisão quando foi detectada pela primeira vez, poderíamos ter sido capazes de diminuir o impacto.

Quando a situação poderia melhorar?

Talvez seja difícil prever. Mas dado que a segunda onda ainda não atingiu seu pico, não vejo a situação melhorando antes de meados de maio, ou talvez até mesmo antes do final de maio.

Qualquer melhora na situação também estará condicionada à adesão das pessoas às restrições relacionadas à covid e ao recebimento de vacinas. Precisamos vacinar 10 milhões por dia se quisermos atingir nossa meta de vacinar 300 milhões de pessoas até agosto.