​Temer: "Bolsonaro perdeu grande oportunidade de ser protagonista no combate à pandemia"

Em entrevista exclusiva ao SBT no interior, ex-presidente falou o que pensa sobre pandemia, o impeachment de Dilma Rousseff e as reformas implantadas durante seu governo

​Temer: "Bolsonaro perdeu grande oportunidade de ser protagonista no combate à pandemia" - Reprodução/Tela Política


​Confortavelmente sentado em uma das poltronas do seu escritório, em São Paulo, Michel Temer adotou um tom ​conciliador para falar sobre o Brasil atual e o Brasil do passado. O ex-presidente da República, que assumiu o governo em maio de 2016, após o impeachment de Dilma Rousseff, classificou a ex-presidente como "honestíssima" e fez uma observação interessante sobre o enfrentamento do atual presidente Jair Bolsonaro na pandemia da covid-19. "Ele perdeu uma grande oportunidade de ser protagonista".


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SBT: Nós vivemos, hoje, várias crises dentro de uma grande crise. Crise na saúde pública, envolvendo a pandemia, uma crise econômica ligada ao desemprego, e também uma crise institucional e política. Se o senhor tivesse que ligar ao presidente Jair Bolsonaro e dar um conselho a ele hoje, qual seria?

Michel Temer: Não daria conselho e, se eu fosse solicitado, eu daria palpites. Vou dizer uma obviedade, mas é verdade. No Brasil, sempre teve crise, a gente sempre soube sair delas. Entre os valores governativos, o valor vida e o valor economia, neste momento é melhor cuidar do valor vida. Então muitas vezes você precisa usar bilhões e bilhões para preservar a vida. Portanto, dedicar-se à Saúde em primeiro lugar, em segundo lugar dedicar-se à preservação dos mais vulneráveis, especialmente dos empregos, e depois cuidar da economia. Quando eu digo cuidar da economia, é porque a vida não se recupera. Vai embora e não volta. Já a economia é recuperável. Quando eu assumi o governo, em maio de 2016, o PIB era negativo em -3,6%. Um ano e sete meses depois, era positivo em 1,3%. A sugestão que eu daria, é dizer que vamos superar essa pandemia, agora com a vacinação, e também com a imunização natural que surgirá ao longo do tempo e, concomitantemente, cuidar da economia.

SBT: Essa crise política não acabou agravando um cenário que já era ruim? Não seria melhor não ter uma crise política agora?

Michel Temer: Sem dúvida. Toda vez que você tem uma pacificação política, com Legislativo funcionando adequadamente, com uma maioria governamental, e junto com o Executivo. Se você não tiver isso, você já tem uma crise política. E o presidente da República não pode tudo. Mas estou de acordo: sem crise política, fica mais fácil. Mas devo registrar que o Rodrigo Maia (ex-presidente da Câmara) e o [Davi] Alcolumbre (ex-presidente do Senado) aprovaram medidas importantes, principalmente na pandemia, e agora o presidente apoiou os atuais presidentes da Câmara e do Senado, o que facilita.

SBT: Em 2014, o senhor disse que o Brasil não poderia ser comandado pelo PMDB. Atualizando hoje, o senhor diria que o PMDB atual é o Centrão?

Michel Temer: É uma bobagem rotular entre direita, esquerda, ultra-direita, ultra-esquerda. Se o resultado for bom para o povo, isso não importa. O que importa é precisamente o resultado. Fala-se que o presidente não deve aceitar sugestões do chamado Centrão, mas, por coerência, também teria que se livrar dos votos do Centrão. Se o presidente precisa do Congresso para governar, como eliminar esse pessoal?

SBT: Falando de relações exteriores. A China é o principal parceiro comercial do Brasil e o senhor tem experiência de negociação internacional. Essa postura adotada pelo governo Bolsonaro em relação à China, o senhor acha adequado ou inadequado?

Michel Temer: Nos meus discursos nas assembleias da ONU (Organização das Nações Unidas), sempre sustentei a tese da multilateralidade. O multilateralismo é fundamental para o Brasil. O primeiro parceiro comercial do Brasil é a China. O segundo, os Estados Unidos. Só isso já indica a necessidade de uma universalização das nossas relações internacionais. O Brasil não tem capacidade política e econômica no unilateralismo ou bilateralismo. O Brasil precisa de muitos países. Por isso a política diplomática do nosso país sempre foi pautada pela ideia de que nós temos que nos dar bem com todos os países.

SBT: Sobre a pandemia, qual é a sua visão do governo federal e o que o senhor faria se ela fosse durante o seu governo?

Michel Temer: o presidente Bolsonaro perdeu uma grande chance de coordenar ou centralizar todos os trabalhos de combate à pandemia. Ele deveria coordenar isso no plano nacional, visitar estados, municípios, cuidar do maior número de vacinas possível. Até devo reconhecer que ele tem mudado sua postura, sendo até a favor da vacinação, acho que ele se deu conta disso. Mas penso que nesse particular ele perdeu uma grande oportunidade de ser o grande coordenador desse combate. Teria sido extremamente útil para ele.

SBT: Voltando um pouco, para o período do seu mandato como presidente. Qual é a sua leitura crítica e o que o senhor acha que foi plantado e vai ser colhido nos próximos anos?

Michel Temer: As reformas. Acho que fui um presidente reformista e não tive um mandato de quatro ou oito anos. Tive um mandato de dois anos e sete meses. Fiz a reforma do teto de gastos públicos, a reforma trabalhista, algo que muita gente quis fazer e não conseguiram, algo acordado entre empregados e empregadores, a reforma do Ensino Médio, que não conseguiram fazer em 30 anos. Recuperamos também as estatais como a Petrobras. Quando peguei o governo, a ação da Petrobras estava em R$ 8. Entrei ao presidente valendo R$ 25, além de reduzir a inflação e os juros. Penso que o meu legado é um legado inaugurador das reformas fundamentais para o País. Como também enfrentamos a reforma da Previdência. Fizemos as reformas fundamentais.

SBT: Ainda falando desse momento, do seu governo, muito foi falado sobre o senhor ter tramado nos bastidores para derrubar a ex-presidente Dilma Rousseff. Afinal, o senhor tramou para que ela deixasse o governo brasileiro?

Michel Temer: Pelo contrário. Procurei até ajudá-la. Ela sabe disso. Quando o Lula falou comigo, tentei trazer o MDB para que o partido não se entusiasmasse com os movimentos de rua. Quem derruba o presidente não é o Congresso Nacional, é o povo. O povo nas ruas sensibiliza o Congresso, que vai para o impeachment e derruba o presidente. No caso dela, o que havia naquele período era um grande movimento popular, um grande desagrado, uma relação difícil do governo com o Congresso. Mas, tão logo começou o processo de impedimento, eu vim a São Paulo e fiquei aqui no escritório. O vice é sempre o primeiro suspeito, então saí do cenário e só voltei a Brasília praticamente na última semana, quando a Câmara iria decidir a procedência da acusação. Não colaborei minimamente, reconheço que ela [Dilma] teve os problemas das pedaladas, mas sempre digo e faço questão de afirmar que ela é honestíssima. Não se pode imputá-la ou levá-la à pecha da corrupção. Isso não é.