UTIs do Hospital Estadual de Mirandópolis teriam ficado até 36h sem médicos, denunciam ex-funcionários

Caso foi encaminhado ao Ministério Público e já está sendo investigado pela Polícia Civil

UTIs do Hospital Estadual de Mirandópolis teriam ficado até 36h sem médicos, denunciam ex-funcionários - Reprodução


Um paciente internado dentro de uma UTI (Unidade de Terapiva Intensiva) necessita de atendimento médico constante, ainda mais se está sofrendo com as complicações da covid-19, que podem se agravar rapidamente. Mas isso não estaria acontecendo nas duas UTIs que atendem pacientes com covid no Hospital Estadual de Mirandópolis, que são administradas por uma OSS (Organização Social de Saúde), a AHBB (Associação Hospitalar Beneficente do Brasil).


Segundo profissionais que atuaram dentro das UTIs, não há médicos suficientes para cobrir os 20 leitos das duas Unidades de Terapia Intensiva: “o desfalque de médicos é gigantesco. Aí eles colocam outros profissionais, de outros setores, para  ‘tocar’, até no outro dia eles arrumarem alguém ou permanecer, dar continuidade nos leitos”, afirma um profissional médico que trabalhou no hospital. “As UTIs já chegaram a ficar até 36 horas sem médico!”, diz.

Nem sempre um plantonista é encontrado para suprir o déficit das UTIs e, neste caso, o médico que está no hospital é orientado a manter a equipe de enfermagem calma e ganhar tempo. Em um áudio encaminhado para uma médica que estava sozinha no hospital, um funcionário da AHBB afirma que é preciso manter a equipe de enfermagem calma diante dessa situação, e que o importante era “ninguém surtar”: “Tem que tocar e dar tranquilidade para enfermagem, entendeu? Porque senão a própria enfermeira vai  ‘chilicar’, e aí a conversa sai lá de dentro da UTI mesmo, entendeu?  Tem que manter a calma e falar que vai cobrir enquanto outro médico não chega, mesmo que não chegue. Aí ninguém surta”, afirma o funcionário da AHBB, sem se preocupar com a falta de atendimento correto aos pacientes.

Outra reclamação grave feita por profissionais de saúde que atuaram nas UTIs é a falta de médico nefrologista, que é o especialista em rins. As hemodiálises são realizadas por técnicas de enfermagem que não teriam a capacitação e a experiência necessárias, o que estaria prejudicando a saúde dos pacientes. “Durante o tempo em que trabalhei no hospital, nenhum paciente que teve insuficiência renal e passou pela diálise se recuperou, todos morreram”, afirma um dos profissionais que fizeram a denúncia.

Outro membro da equipe que conversou com a reportagem afirmou que os enfermeiros eram proibidos de passar qualquer informação para as famílias, e que a orientação era dizer que todos os pacientes intubados estavam estáveis. “Aí o paciente morria pouco depois, e a família cobrava uma explicação que a gente não tinha”, disse.

Essas e outras denúncias feitas pelos dois profissionais de saúde que atuaram dentro das UTIs em Mirandópolis foram encaminhadas para dois vereadores da cidade, Emerson Carvalho Souza e Magali Rodrigues, ambos do PSL, contaram com a ajuda do advogado Roberto Veronez para elaborar uma notícia-crime, reunindo áudios e documentos, que foi protocolada nesta quarta-feira (23), no Ministério Público de Mirandópolis, que deve instaurar inquérito para apurar o caso.

O mesmo material foi enviado também para a Polícia Civil, que já apura possíveis irregularidades que estariam sendo cometidas pela AHBB. A Secretaria Estadual de Saúde também vai apurar as denúncias.

OUTRO LADO

Já a AHBB se manifestou por meio de nota oficial. Leia na íntegra:

"A AHBB|Rede Santa Casa vem por intermédio desta nota, esclarecer fatos sobre a denúncia-crime apresentada contra a instituição e sua gestão no Hospital Estadual de Mirandópolis/SP “Dr. Osvaldo Brandi Faria”. A instituição tomou conhecimento acerca da denúncia e sobre as intercorrências citadas no documento na data de hoje, e está buscando acesso aos documentos e áudios mencionados, mas, desde já afirma desconhecer e repudiar quaisquer fatores que correspondam à prática de crime ou a fatos desabonadores de gestão e atuação.

Todos os profissionais e colaboradores vinculados aos serviços geridos pela AHBB|Rede Santa Casa possuem as qualificações e registros profissionais necessários à contratação, e são periodicamente avaliados. As equipes passam mensalmente por treinamentos para aprimoramento laborativo e assistencial, registrados em relatórios técnicos e assistenciais mensais, formalizado pelos coordenadores e responsáveis técnicos que atuam na unidade. Todas as metas técnicas e assistenciais são atendidas e toda a prestação de serviços é aprimorada diuturnamente.

A instituição, assim que intimada pela denúncia protocolada, apresentará toda a documentação necessária e pertinente aos fatos, e atenderá a todas as requisições do Ministério Público Estadual, uma vez que se mantém hígida à prestação de serviços na unidade e em todos os convênios onde atua, com compromissos firmados pela ética, atendimento humanizado e a crescente otimização dos serviços em saúde.

Reiteramos que o comprometimento da AHBB|Rede Santa Casa para com o município de Mirandópolis e seus cidadãos, visa sempre a otimização continua dos processos de trabalho, desenvolvendo constantemente ações para melhoria da saúde na cidade, repudiando profundamente tais atos citados no documento, e dessa forma, nos colocamos sempre à disposição para qualquer novo esclarecimento".