O jogo online que criou economia própria e sustenta famílias na vida real



Muitos brasileiros jogam na internet depois de um dia longo de trabalho ou para passar o próprio tempo ocioso que, com o desemprego em alta, o perseguem. Alguns gostam de estar ali. Outros estão por obrigação, embora isso soe como "diversão".

Counter Strike (jogo de FPS/tiro), League Of Legends, Batteground's. Muitos jogos fascinam e atraem grande público, inclusive de celebridades como o jogador Neymar, gamer de Counter Strike e Battleground's, Ibrahimovic, e tantos outros nomes que estão frequentemente na mídia.

Mas, embora esses jogos exijam computadores de última geração e consigam criar um universo tecnológico bastante bonito, o jogo que está movimentando a economia de um país é jogado em 2D e possui uma sociedade própria.

O jogo de RPG "Tibia" (game online que existe desde 1997) é tão espetacular que, por conta dele, muitos venezuelanos estão vivendo e SUSTENTANDO FAMÍLIAS com ele.

O game, que tem aproximadamente 20 mil usuários ativos em todo o mundo, possui uma moeda própria, o Tibia Coin. Hoje, 1000 tibia coins valem cerca de R$ 150,00, mas ele pode ser comprado com dinheiro virtual conquistado dentro do jogo.

Por ser em 2D, não é necessário ter um computador caro para fazer o jogo rodar. Basta conexão com internet e pouco espaço no HD. Por isso, o custo benefício compensa.

Sou jogador de Tibia e voltei a atuar no game depois de 10 anos. Encontrei uma sociedade própria criada entre "guilds" - grupos que se juntam para dominar mundos pela diversão - e guerras formadas pela conquista desses servidores/mundos.

Guerras, que, inclusive, custam dinheiro na vida real, já que, se um determinado grupo possui o domínio daquele mundo, ele pode fazer o servidor ser rentável também fora dele.

Também existem os neutros (o pessoal quer não quer briga com ninguém), do qual eu faço parte.

O primeiro exemplo que encontrei de vida online pautando a vida real foi dos venezuelanos. Chamados de "gringos" pelos brasileiros, eles deixaram seus empregos em busca do Tibia Coin e de uma vida real melhor.

Em muitos servidores disponibilizados pelo game, eles atuam 10 horas (ou mais) por dia matando criaturas e fazendo dinheiro virtual. Depois, usam o dinheiro obtido dentro jogo para comprar o Tibia Coin e revendem o produto a outros jogadores europeus, americanos e até mesmo brasileiros.

A engenharia de jogo rende um salário 10 vezes maior que o mínimo do país, já que é pago em dólar. Eles recebem por meio de contas criadas no exterior e, depois, conseguem fazer o câmbio do dinheiro dentro do país por mecanismos paralelos para pagar menos ou nenhum imposto.

Um deles me disse, dentro do jogo, que chega a ganhar 800 dólares por mês. Seria o equivalente a quase R$ 3 mil no Brasil. Se já é um salário bom aqui, imagine na Venezuela...

Basta um computador comum, um pouco de conhecimento sobre o Tibia, um personagem forte no jogo e muito tempo para isso.

No entanto, o RPG é um dos formatos de jogos que mais une pessoas e proporciona boas amizades. É preciso união para fazer a maioria das missões e matar "chefões" que estão disponíveis diariamente. Quem joga, utiliza um programa de comunicação chamado TeamSpeak, já que o Tibia não tem som.

A jogatina rende muitas risadas, desafios e novas amizades.

O Tibia criou uma economia própria e passou a influenciar diretamente na vida e no cotidiano dessas pessoas. Tratado como passa-tempo por muitos, hoje é um modelo de jogo que sustenta pessoas em uma economia falida, com desemprego em uma proporção altíssima como a Venezuela.

Por mais divertido que o jogo seja, nem todo mundo senta em um computador para jogar apenas para passar o tempo.

*Kaio Esteves é jornalista, coordenador de produção web do SBT Interior, colaborador na Folha de S. Paulo 

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