5 coisas sobre a atuação da ONU em conflitos

A guerra entre Rússia e Ucrânia, iniciada em 24 de fevereiro de 2022, suscita várias questões sobre a atuação das Nações Unidas e a segurança mundial

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As Nações Unidas atuam com base na Carta da ONU, assinada após a Segunda Guerra Mundial. O documento contém os princípios da organização e as atribuições de cada um de seus órgãos, que junto ao histórico da organização servem de base para as cinco perguntas abordadas abaixo pela ONU News.


O Conselho de Segurança pode parar uma guerra?

As funções e poderes do Conselho de Segurança estão estabelecidos na Carta da ONU, o documento assinado em 26 de junho de 1945, que criou a organização em São Francisco. A subscrição aconteceu no fim da Conferência das Nações Unidas sobre Organizações Internacionais e entrou em vigor em 24 de outubro do mesmo ano.

O Conselho de Segurança é o órgão ao qual foi concedida a responsabilidade primária pela manutenção da paz e segurança internacionais. O Conselho integra cinco membros com assentos permanentes: China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos. Com 10 assentos não permanentes, cuja ocupação é alternada por eleição entre outros países-membros da ONU,  o órgão delibera sobre questões sobre existência de uma ameaça à paz, ruptura ou um ato de agressão.

Antes de 1965, o Conselho de Segurança era composto por 11 membros, seis dos quais não permanentes. A expansão para 15 países-membros ocorreu após a emenda do artigo 23(1) da Carta por meio da adoção de uma resolução da Assembleia Geral (A/RES/1991(XVIII)).

Embora ainda existam cerca de 60 Estados-membros que nunca fizeram parte do Conselho de Segurança, todos os membros da organização concordam, sob o Artigo 25 da Carta, em aceitar e executar as decisões adotadas pelo seu órgão. Em outras palavras, as ações tomadas pelo Conselho são de cumprimento obrigatório para todos os países-membros da organização. 

Ao lidar com crises, o Conselho de Segurança, guiado pela Carta da ONU, pode tomar várias medidas. Atuando de acordo com o Capítulo VI da Carta, o órgão  pode convocar as partes em uma controvérsia a resolvê-la por meios pacíficos e recomendar métodos de ajuste ou termos de solução.

Também pode recomendar o encaminhamento de disputas à Corte Internacional de Justiça, CIJ, que é amplamente conhecida como a “Corte Mundial” como o principal órgão judicial das Nações Unidas, com sede em Haia, na Holanda.

Em alguns casos, o Conselho de Segurança pode agir de acordo com o Capítulo VII da Carta e recorrer à imposição de sanções ou mesmo autorizar, como último recurso após esgotamento os meios pacíficos de solução de uma controvérsia, o uso da força por Estados-membros, coalizões dos Estados-membros ou operações de paz autorizadas pela ONU para manter ou restaurar a paz e a segurança internacionais.

A ação necessária para levar a cabo as decisões do Conselho de Segurança para a manutenção da paz e da segurança internacionais deverá ser tomada por todos os membros das Nações Unidas ou por alguns deles, conforme a determinação do Conselho de Segurança obedecendo o Capítulo VII.
A primeira vez que o Conselho autorizou o uso da força foi em 1950, sob o que foi chamado de ação de imposição militar. A medida foi para garantir a retirada das forças norte-coreanas da Coreia do Sul.

O que é o “poder de veto” e como ele pode ser usado?

O procedimento de votação no Conselho de Segurança é orientado pelo Artigo 27 da Carta da ONU, que estabelece que cada membro do Conselho tem um voto.

Ao decidir sobre “questões processuais”, nove membros precisam votar a favor para que uma decisão seja adotada. Em todos os outros assuntos, é necessária a aprovação de nove membros, “incluindo os votos simultâneos dos membros permanentes”.

Um voto negativo de qualquer um dos cinco permanentes  - China, França, Rússia, Reino Unido ou Estados Unidos -  pode impedir a adoção de qualquer projeto de resolução relacionado a assuntos substantivos.

Desde 1946, todos os cinco membros permanentes – também conhecidos como “P5” – exerceram o direito de veto uma vez ou outra em uma variedade de questões. Até o momento, aproximadamente 49% dos vetos foram lançados pela ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, Urss, agora a Rússia . Seguem-se os Estados Unidos com 29%, Reino Unido com 10% e por fim a China e a França com 6%.

Encontre aqui mais informações sobre vetos no Conselho de Segurança desde 1946.
A Assembleia Geral pode intervir quando o Conselho de Segurança não pode tomar uma decisão sobre o fim de uma guerra?

De acordo com a resolução 377A (V) da Assembleia Geral de 1950, amplamente conhecida como 'Unindo pela Paz', se o Conselho de Segurança não puder agir devido à falta de unanimidade entre seus cinco membros permanentes com poder de veto, a Assembleia tem o poder de fazer recomendações para que seus membros tomem medidas coletivas para manter ou restaurar a paz e a segurança internacionais.

Por exemplo, o Conselho de Segurança deve determinar quando e onde uma operação de paz da organização deve ser implantada, mas historicamente, em casos em que o órgão não tenha conseguido tomar a decisão, a Assembleia Geral o fez. Por exemplo, em 1956, a Assembleia Geral estabeleceu a Primeira Força de Emergência da ONU, chamada Unef 1, no Oriente Médio.

Além disso, a Assembleia Geral pode reunir-se em Sessão Especial de Emergência quando solicitado por nove membros do Conselho de Segurança ou pela maioria dos membros do maior órgão deliberativo. 

Até o momento, a Assembleia Geral realizou 11 Sessões Especiais de Emergência (oito solicitadas pelo Conselho de Segurança).

Em 27 de fevereiro de 2022, o Conselho de Segurança decidiu convocar uma Sessão Especial de Emergência. após a falta de unanimidade entre seus membros permanentes, a  Assembleia Geral em sua resolução 2623 (2022), impediu o órgão de exercer responsabilidade primária de manutenção da paz e segurança internacionais.

Na sequência, em 1º de março de 2022, a Assembleia Geral, reunida em sessão de emergência, adotou uma resolução pela qual deplorava “a agressão da Federação Russa contra a Ucrânia em violação do artigo 2 (4) da Carta”. O documento exigia que a Rússia cessasse imediatamente o uso da força contra a Ucrânia e retirasse de forma completa e incondicional todas as suas forças militares do território da Ucrânia dentro de suas fronteiras internacionalmente reconhecidas.

No entanto, ao contrário das resoluções do Conselho de Segurança, as da Assembleia Geral não são vinculativas, o que significa que os países não são obrigados a implementá-las.

A adesão de um país à ONU pode ser revogada?

O artigo 6º da Carta diz o seguinte: “um membro das Nações Unidas que tenha violado persistentemente os princípios contidos na presente Carta poderá ser expulso da Organização pela Assembleia Geral mediante recomendação do Conselho de Segurança”. Até o momento, isso nunca aconteceu na história das Nações Unidas.

O artigo 5.º prevê a suspensão: “Um membro das Nações Unidas contra o qual o Conselho de Segurança tenha tomado medidas preventivas ou coercitivas poderá ser suspenso do exercício dos direitos e privilégios de membro pela Assembleia Geral mediante recomendação do Conselho de Segurança. O exercício desses direitos e privilégios pode ser restabelecido pelo Conselho de Segurança”.

A suspensão ou expulsão de um Estado-membro da Organização é determinada pela Assembleia Geral mediante recomendação do Conselho. Tal recomendação requer o voto concorrente dos membros permanentes do Conselho de Segurança.

A menos que concordem com sua própria expulsão ou suspensão, os membros permanentes do Conselho só podem ser removidos por meio de uma emenda à Carta da ONU, conforme estabelecido no Capítulo XVIII.

As Nações Unidas, no entanto, tomaram medidas em relação a diferentes países. Um exemplo é o caso da África do Sul. O organismo internacional contribuiu para o fim do regime racista do apartheid, ao chamar a atenção do mundo para a desumanidade do sistema, legitimar a resistência popular, promover ações antiapartheid por organizações governamentais e não governamentais, instituir um embargo de armas, e apoiar um embargo de petróleo e boicotes ao apartheid em muitos campos.

No caminho para acabar com o apartheid, o Conselho de Segurança instituiu, em 1963, um embargo voluntário de armas contra a África do Sul, e a Assembleia Geral se recusou a aceitar as credenciais do país de 1970 a 1974. Após essa proibição, a África do Sul não participou de outros procedimentos da Assembleia até o fim do apartheid, em 1994.

Quais são os “bons ofícios” do secretário-geral?

O secretário-geral como um importante agente de pacificação tem um mandato cobrindo questões abrangentes. A atuação inclui bons ofícios, mediação, facilitação, processos de diálogo e até arbitragem.

Um dos papéis mais vitais desempenhados pelo líder das Nações Unidas é o uso dos chamados “bons ofícios”, ou  medidas tomadas em público e em privado, baseadas em sua independência, imparcialidade e integridade, e o poder da diplomacia silenciosa, para evitar que disputas internacionais surjam, aumentem ou se espalhem.

Na prática, isso significa que um chefe da ONU pode usar sua autoridade, legitimidade e a experiência diplomática de sua equipe sênior para se reunir com chefes de Estado e outros funcionários e negociar o fim das disputas entre as partes em conflito.

No final de março, o secretário-geral António Guterres invocou o uso de seus “bons ofícios” e pediu ao subsecretário-geral para os Assuntos Humanitários, Martin Griffiths, para explorar a possibilidade de um cessar-fogo humanitário com a Rússia e a Ucrânia, e outros países na busca de uma solução pacífica para a guerra.