Pesquisadores encontram vestígios que podem ser de sangue na antiga sede de órgão da ditadura

Equipe achou ainda registros de contagem de dias no cárcere

Pesquisadores encontram vestígios que podem ser de sangue na antiga sede de órgão da ditadura  - Rovena Rosa/Agência Brasil


Em um trabalho pioneiro no Brasil, pesquisadores encontraram vestígios de uma substância que pode ser sangue na antiga sede do Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), localizado no bairro de Vila Mariana, capital paulista.


Durante as escavações, a equipe também achou registros que um preso político fez para contagem de seus dias de cárcere no local, onde agentes da ditadura, instaurada com o golpe de 1964, torturavam e executavam opositores. Atualmente, no endereço, funciona o 36° Distrito Policial, da Polícia Civil.

Esse é o início da jornada dos pesquisadores, que pode trazer à tona mais materiais que revelem como funcionavam os porões da ditadura. A equipe conta com membros vinculados à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O trabalho foi possível graças ao financiamento da Unicamp e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), obtido após 14 tentativas de se viabilizá-lo, com negativas de diversas agências de fomento à ciência.

Em coletiva de imprensa realizada nesta segunda-feira (14), quando chegou ao fim a primeira fase do estudo, após 13 dias de trabalho em campo, os pesquisadores explicaram que a suspeita sobre o sangue ainda exige confirmação em laboratório. Conforme destacaram, o indicativo de que a substância encontrada pode ser sangue surgiu após ter contato com o reagente luminol, muito utilizado por peritos criminais em cenas de crimes. Devido às restrições de orçamento, o que limita as ferramentas disponíveis, os pesquisadores devem ter uma conclusão sobre a substância somente dentro dos próximos meses.

A coordenadora do Grupo de Trabalho Memorial Doi-Codi, Deborah Neves, comenta que o complexo que outrora serviu como centro clandestino foi reconhecido como sítio arqueológico em 2020. Dali, segundo ela, eram emitidas ordens que repetiam o modelo de violações de direitos em todo o país.

O levantamento e a apuração de informações em torno do DOI-Codi envolve diversas áreas do conhecimento. Além do material obtido após o processo de decapagem, próprio da arqueologia, os pesquisadores também se baseiam em fotografias aéreas e plantas de arquitetura para conduzir as averiguações.

Outro aparato colocado a serviço dos pesquisadores foi um georadar, que permitiu que entendessem as modificações que o complexo sofreu ao longo dos anos. Registros mostram que os primeiros prédios construídos no espaço que o centro clandestino divide com a delegacia em atividade foram a própria unidade policial e um outro, que fica aos fundos. Era neste que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, do Exército, permanecia com a família, eventualmente. A edificação de ambos data de 1962. Em 1973, foram erguidos os outros dois que completam o conjunto de prédios.

Para tentar driblar as dificuldades de verba e contingente, a equipe buscou reunir esforços de voluntários para desempenhar as tarefas previstas no cronograma. No total, 90 pessoas se candidataram às funções e 16 foram selecionadas para ocupar as vagas. Parte dos voluntários irá auxiliar na coleta de depoimentos de presos políticos, parentes de vítimas e outras pessoas que testemunharam as arbitrariedades cometidas pelos militares e seus aliados.