SBT analisa “Cruella”: mais um personagem marcante com uma desnecessária história de origem

Filme está disponível nos cinemas e no catálogo do Disney+

SBT analisa “Cruella”: mais um personagem marcante com uma desnecessária história de origem -


João Marcelo Moraes

A superprodução dos estúdios Disney conta com duas atrizes vencedores de Oscar, Emma Stone e Emma Thompson, ambas muito bem, duzentos milhões de dólares de orçamento, músicas icônicas das décadas de sessenta e setenta e mesmo com as duas horas e quinze minutos de rodagem, o filme não consegue responder a principal pergunta para comprovar a existência dessa história: qual nova informação poderia ser apresentada para que pudéssemos de alguma maneira simpatizar com a destruidora de núcleos familiares e assassina de dálmatas?

 Como um formuláico filme de origem, “Cruella” abre mostrando o nascimento da vilã, anti-heroína agora, onde deixa claro que o cabelo “ying yang” não é algum tipo de escolha estilística da personagem, muito conhecida no mundo da moda por seu estilo espalhafatoso, mas apenas um traço genético que vem do berço. A partir daí, o filme vai introduzindo informações, em um voice over intrusivo e desnecessário, que, teoricamente, deveriam ser de suma importância para o desenvolvimento psicológico da protagonista, mas que são, cada vez mais, deixados de lado conforme a narrativa progride.

Após apresentar traços de uma criança incompreendida e rebelde em sequências, novamente, genéricas envolvendo problemas escolares, a pequena Estella (Tipper Seifert-Cleveland) é expulsa do colégio e tem que mudar de cidade para recomeçar a vida com a mãe Catherine (Emily Beecham). Antes de chegarem a Londres, Catherine e Estella fazem uma parada em um baile de gala, onde a mãe implora para que a menina não saia do carro, ordem que, a priori, a filha acata, mas é claro que descumpre no momento que a mãe deixa o veículo, para que possa passar pelo momento de trauma que marca o início da transformação em vilã icônica. Após invadir o baile, Estella é farejada e perseguida por um trio de, adivinhem, dálmatas raivosos, que são desenvolvidos a partir de um CGI que não justifica o capital investido. Ao final da perseguição, os cães atacam e derrubam a mãe de Estella de um penhasco, matando-a. Ótimo, agora temos o motivo pelo qual a personagem tem um desejo insaciável de assassinar dálmatas e transformá-los em um casaco de pele, certo? Não, a impressão que fica é que durante a montagem, o filme se esquece completamente desta informação, Cruella não demonstra, em momento algum, ódio pela raça dos cães que mataram sua mãe, nem mesmo por cachorros no geral, muito pelo contrário, seu melhor amigo desde a infância é um. Ela os culpa pela morte da mãe, porém é um sentimento parecido com uma repugna, bem como uma pessoa que perdera alguém em um afogamento possui o mesmo sentimento pelo oceano.

Após a tragédia, Estella termina sua viagem até a capital inglesa, onde, por coincidência, se depara com um par de garotos, Jasper e Horace, órfãos que ganham a vida com pequenos furtos. A garota se torna parte da trupe, ajudando os meninos nos delitos por “ser uma boa distração”. A princípio, a protagonista, se satisfaz com a adrenalina envolvendo as ações do grupo. Dez anos se passam e, assim como a direção do filme, com muita câmera voando, os furtos vão ficando cada vez mais elaborados. Estella, agora Emma Stone, começa a usar seu dom de costureira, para criar disfarces e suprir a vontade de um dia poder trabalhar no mundo da moda, sentimento que só aumenta fazendo com que, após ganhar de presente de aniversário de Jasper uma vaga de emprego, ela comece a trabalhar, como faxineira, em uma famosa loja de vestidos da região.

Percebendo seu talento desperdiçado, ela pede, para o gerente do estabelecimento, uma chance de expor uma de suas peças em uma vitrine do local. Após ser esnobada até exaustão, a jovem Estella (Stone), movida a whisky, decide expor, literalmente, sua criatividade talentosa na vitrine tão requisitada, sendo caracterizada como a melhor que a loja expôs nos últimos dez anos, pela Baronesa (Thompson), referência da área, em uma visita, novamente, coincidentemente no dia em que nossa heroína resolve, agora por um bom motivo, se rebelar. Estella recebe uma proposta de emprego da icônica modista para trabalhar em sua marca de roupas, onde rapidamente se destaca e percebe que pode abandonar as humilhações diárias da patroa e confrontá-la nos desfiles com suas peças estonteantes, sim, o segundo ato inteiro do longa tem um estrutura narrativa e, por várias vezes técnica, extremamente similar a “O Diabo Veste Prada” (2006). Os arcos dramáticos, a relação entre as duas nêmeses, o mundo da moda, o ajudante careca que muda de lado (antes Stanley Tucci, agora Marc Strong) está tudo ali.

Consolidados os personagens e o antagonismo faltava apenas uma coisa: Estella se transformar em Cruella Devil, alcunha que advém da soma de um apelido dado pela mãe para a contraparte rebelde da, ainda criança, Estella: Cruella, e o modelo do carro que a leva para pôr em ação seu plano e vingança final: De Vil, sim, a explicação para a invenção o nome da personagem, que, certamente deve agradar o público infanto-juvenil, consegue ser mais tola que no filme sobre as origens do personagem Han Solo, da franquia Star Wars, de mesmo estúdio, onde o “sobrenome” é este pelo personagem viajar sozinho pela galáxia. E isso ocorre em diversos momentos durante a rodagem, o senso de familiaridade e ; seja ele pelo fato do arco da protagonista conter similaridades a “Coringa”, onde Arthur Fleck é assolado por uma realidade tão competitiva e injusta, que deve se tornar algo a mais para sobreviver ali, a relação entre protagonista e antagonista que, como supracitado, ecoa “Diabo Veste Prada”, ou o twist, bastante premeditado, principalmente pela narração que o filme oferece, idêntico ao de “Empério Contra-Ataca”, só que, obviamente, sem qualquer peso dramático devido a um roteiro cheio de limitações.

Mesmo sendo extremamente genérico e beber da fonte de inúmeros filmes, “Cruella” consegue ter uma identidade, majoritariamente estética, própria, onde a maquiagem e, como não podia ser diferente, os figurinos são o ponto mais escandaloso, digo como elogio, da obra. Stone tem nome, carisma e charme suficiente para montar uma Cruella poderosa, porém descaracterizada, onde as duas únicas semelhanças entre ela e a personagem interpretada por Glenn Close em 1996 é o nome e a cor do cabelo.

A Disney criou um precedente em “Malévola” (2014) que se consolida em “Cruella “(2021), o estúdio pretende humanizar seus principais vilões tentando assim fazer com que, se já não bastasse os mocinhos, mas agora também temos que amar seus antagonistas, e falando em precedentes, este filme deixa claro mais dois deles: histórias de origem de personagens marcantes do cinema não tem qualquer necessidade de existir podendo até ferir seus legados, com na maioria dos casos, e que se os estúdios Disney só criam animações incríveis, também só desenvolvem live-actions medíocres.

Nota do Crítico: 5.0

Nota Média do Público(IMDb): 7.4

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