SBT analisa “O Telefone Preto”: uma infância em desamparo pode ser mais aterrorizante que o sinistro
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Eu nunca fui um grande fã de filmes de terror, muito por conta da fragilidade do meu psicológico quando mais novo, o que é apenas uma descrição bonita para não dizer logo de cara que eu, como meu pai costumava dizer, era um “cagão”. Conforme os anos foram passando e o ceticismo se instaurando em mim, o pavor que eu sentia em filmes deste gênero fora substituído por um sentimento parecido: o medo de que bons horrores no cinema estivesse se extinguindo. Em meu último relacionamento, as noites eram aterrorizadas por longas do gênero, visto que minha ex-namorada tinha quase um fetiche e assustar-se com jump scares de péssima qualidade. Em uma dessas sessões, onde eu era obrigado a trocar dramas humanos tocantes por monstros aparecendo no espelho, que Scott Derrickson entrou na minha vida, com o ótimo “A Entidade” (2012). Admirado com o longa do estadunidense, me enchi de expectativa quando o anúncio de “O Telefone Preto” foi feito, somando também ao anúncio de Ethan Hawke, um dos meus atores favoritos, no elenco. Sabendo do potencial por trás e na frente das câmeras, me enchi de excitação, mas também de pavor.
Baseado no conto de mesmo nome escrito por Joe Hill, filho de Stephen King, o filme narra o conto de suspense de “The Grabber”, um assassino de crianças que sequestra meninos em plena luz do dia, para nunca mais serem vistos. Eventual e obviamente, nosso protagonista Finney (Mason Thames) se torna a próxima vítima e é mantido cativo no porão à prova de som do sequestrador. Sua companhia é apenas um telefone preto com fios cortados, porém Finney começa a receber ligações das vítimas anteriores de The Grabber através do telefone fixo até então inutilizável.
O trabalho de ambientação em “O Telefone Preto” é estiloso e realça muito bem os anos setenta. Muita nostalgia é imposta aqui, mas de uma maneira orgânica e não para agradar certo tipo de público específico, com um certo estúdio costuma fazer. Os muitos tons de marrom e laranja se misturam bem quando os dias vão ficando cada vez mais cinzas, denotando que aos poucos Derrickson está corrompendo os anos 70 com seu horror, onde o pouco contraste com cores, provenientes das luzes de viaturas policiais e sangue das vítimas, tornam as cenas ainda mais visualmente chocantes. A trilha sonora acompanha sua época, porém é interrompida por ruídos atrevidos que entram em nossos tímpanos e reverberam em nossas costelas como se estivéssemos ouvindo do subsolo, onde Finney se encontra já quase sem esperanças de sair dali.
O terror imposto aqui não é apenas estilístico, mas sim temático. Finney e sua corajosa irmã Gwen, majestosamente interpretada por Madeleine McGraw, tem que lidar com valentões na escola e quando voltam para casa não são amparados, nem mesmo cuidados por seu pai, um alcoólatra abusivo. “Vou cuidar do papai” acaba se tornando uma linha de diálogo frequente entre os irmãos, quando Gwen vai dormir na casa de uma amiga e a responsabilidade de cuidar da casa recai sobre o garoto pré-adolescente. Filhos que cuidam de pais, irmãos que cuidam uns dos outros, crianças que se protegem do bullying enquanto funcionários da escola parecem fazer vista grossa para brigas adolescentes, Gwen, com seus poderes de clarividência, liderando a investigação policial e vítima anteriores, todas crianças, ajudando Finney enquanto ele está na garra do assassino. É essa semelhança de rede de apoio de criança para com criança na ausência de adultos confiáveis que torna “O Telefone Preto” mais que uma simples história de terror. A criação do terrível aqui é multifacetada. Temos traumas, ciclos de abuso, violência na juventude e se não bastasse, um assassino a solta nas redondezas.
The Grabber como é chamado o sequestrador e serial killer de crianças é interpretado pelo, sempre ótimo e meu queridinho, Ethan Hawke. O “monstro” aqui ostenta maneirismos e é marcado por uma inversão constante de personalidade. Uma voz assustadoramente infantil, atrelada a um comportamento de regressão de idade, possivelmente proveniente de um trauma na infância, somado com a mudança repentina de identidade, com uma voz rouca e profunda e um comportamento implacável e violento. São nesses momentos em que Hawke mostra sua versatilidade, onde fica claro que sua vilania é certa, mas completamente imprevisível. Além da persona dicotômica, The Grabber se esconde atrás de máscaras que além de denotar seu humor ou qual das personalidades está tomando conta, é marcantemente tenebrosa. É uma interpretação que se baseia na linguagem corporal para compor um personagem muito interessante, mas que é bem mal aproveitado. A sensação que fica é que o estúdio quis apenas intrigar o público com uma ameaça marcante, mas que trará mais detalhes em projetos futuros, provavelmente mostrando o passado do mesmo, o que além de estar se tornando um vício da indústria, também é frustrante para o público que espera ver o presente e não uma possível promessa do futuro.
Tanto Thames quanto McGraw tem seus momentos de destaque. O garoto mesmo sendo frágil, a princípio, se mostra sagaz e toma boas decisões, ajudado pelo místico, para fugir de seu cativeiro. O problema é que o filme mesmo gerando um senso de emergência, em momento algum me fez duvidar da escapada do protagonista ou temer pela sua vida, só deixando cada vez mais nítido que em algum momento tudo daria certo. Mas o destaque dramático fica pra Madeleine McGraw, vou ser sucinto: essa menina é mais uma prova de que pessoas nascem com dons.
“O Telefone Preto” é um suspense semi-paranormal de um assassino em série que se baseia em uma saga de apoio e resiliência. Mesmo trazendo essas duas discussões, o filme não aproveita muito para desenvolver uma delas, parecendo que o sinistro está ali apenas como fonte de ajuda para um roteiro que não sabia como se resolver. É um filme apoiado em performances emocionais em todos os seus campos dramáticos, que consegue emocionar e intrigar, mas sinto que falhou em sua missão principal, pois mesmo um grande ansioso como eu terminou a rodagem com as unhas intactas.
Nota do Crítico: 6.0
Nota Média do Público (IMDb): 7.0
Horários das sessões no Cineflix do Shopping Praça Nova, em Araçatuba
Dublado: 17h15, 19h30 e 21h55
Classificação Indicativa: 16 anos
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