SBT analisa “Free Guy”: originalmente genérico ou genericamente original?

Acho muito difícil alguém não gostar desse filme

SBT analisa “Free Guy”: originalmente genérico ou genericamente original? -


Free Guy é um filme de ação para a família que tem como público alvo a “geração Fortnite”. Ironicamente, o roteiro aborta o discurso da importância da individualidade, porém além de dar a sensação de outras dúzias de filmes, em vários momentos os incorpora de forma literal. Logo de cara, em sua abertura, vemos extremas similaridades com Uma Aventura Lego (2014), sendo nos aspectos da apresentação de nosso herói, antes Emmet, agora Guy (Ryan Reynolds), um homem, a priori, pífio que vive regularmente dentro das regras ditadas pelo universo a qual se aproxima de uma grande jornada que o tirará da mediocridade e o levará ao destaque canônico daquele mundo, já o universo de Free City em si: um jogo de videogame lúdico, policromático e regado a violência que nos remete tanto ao longa Jogador N° 1 (2018), quanto o próprio game Grand Thefth Auto.

Guy é um NPC (Non-player character), ou personagem não jogável que vive a mesma rotina cíclica, bem como em O Show de Truman (1998) de acordar, vestir sua camisa azul, tomar café médio com leite, trabalhar como caixa de banco e ser assaltado por jogadores reais, que são acentuados pelo uso de óculos, todos os dias. Ele não se importa com isso, muito pelo contrário, acha a vida que leva incrível. Tudo isso muda quando cruza pelo caminho da jogadora MolotovGirl (Jodie Comer). De imediato, gerando total estranheza de seu melhor amigo e sempre companheiro Buddy (Lil Rel Howery), abandona sua premeditada rotina e guiado por paixão à primeira vista, segue a garota pela rua até ser atropelado e morto por um trem, voltando ao início do, mesmo, dia. Porém, após experienciar uma sensação nunca antes vivida, Guy decide que irá abandonar sua, ótima, zona de conforto e alterar sua rotina para tentar encontrar, aquilo que pensa ser, a garota de seus sonhos. Motivado a isso, o personagem começa com pequenas mudanças em seus passos costumeiros: o pedido da cafeteria muda, ele abandona sua frase padrão programada e isso vai aumentando até ele conseguir te acesso a um dos óculos de um dos players, fazendo com que expanda sua visão além do que poderia ser imaginado por ele. Missões, kits médicos e várias outras coisas que são familiares em quase todos os jogos de videogame online, mesmo que algumas dessas tecnologias sejam um pouco datadas. 

Além do mundo virtual, temos uma segunda linha narrativa antes da convergência das duas: o mundo real. Nele, vemos que MolotovGirl é a programadora de jogos Millie, que costumava ser sócia e trabalhar com o gênio tecnológico Keys (Joe Keery) em um outro jogo que seria uma contraparte de “Free City” e dos vários jogos violentamente genéricos que temos por aí, bem mais independente e contemplativo. Millie joga o videogame para tentar encontrar provas de que o criador do jogo Antwan (Taika Waititi), chegando a pontos de humor que ficam mais genéricos que o mais raso dos NPCs, roubou seus códigos e os transformou em uma experiência ensossa e para isso, ela percebe que Guy é o infiltrado perfeito para a missão. A dupla, equivalente a Neo e Trinity de Matrix (1999) formam uma aliança e, pelo protagonista ser incapaz de realizar atos propositalmente violentos, começa a confundir tanto o jogo quanto os jogadores, pois, aparentemente, é difícil crer nos dias de hoje que alguém escolha evoluir com apenas boas ações. Nesse processo, o filme faz um bom trabalho para com seu público alvo, pois o mundo se desdobra para descobrir quem está por trás desde benfeitor de camisa azul, aliás esta é a alcunha que ele recebe, e durante esses segmentos são apresentados vários gamers ou streamers relevantes, que certamente farão essa chancela levantar das cadeiras das salas de cinema com impulsos involuntários. Keys e Millie então descobrem que não se trata de um jogador real, mas sim que estão diante da primeira inteligência artificial criada, e sabendo disso, tentam salvá-lo do capitalismo consumista, destaque para a fala de Antwan: “ninguém mais se importa com originalidade, mas sim, apenas com sequências.” citação que, mesmo sendo de um filme esquecível, me pegou de surpresa e me tirou leves palmas inconscientes.

Shawn Levy, o diretor, sabe muito bem o que tinha nas mãos e consegue quase sempre deixar o ritmo cantarolante, mas são nas sequências em somos desconectados do jogo e logados na realidade que o Free Guy perde parte de seu vigor, a problemática humana não chega nem perto das peripécias virtuais. O texto de Matt Lierberman e Zack Penn, perde muito tempo referenciando e homenageando várias outras obras, como Matrix, Vingadores, Star Wars, Feitiço do Tempo, o que por um lado é bom pela nostalgia, mas por outro faz com que o longa não tenha tanto tempo para criar, totalmente, sua própria identidade. Em seus melhores momentos, que são inúmeros, o filme se apoia em seu belo potencial e até mesmo em seus momentos mais baixos consegue imitar de forma muito funcionalmente brilhante, grandes obras do passado. Movido pelo ótimo elenco, destaque principal para Jodie Comer, que rouba o filme, como MolotovGirl, já como Millie nem tanto. Tanto ela quanto Keery tem pouco tempo em tela, sobrepostos por um antipático Antwan. Lil Rel Howery, SEMPRE, é o alívio cômico de tudo que está envolvido, mas fazer o que, funciona sempre bem a todo momento que está em tela.

Mesmo com as pequenas digressões que deixam o filme um pouco monótono, os roteiristas sabem quando te puxar de volta para o foco da ação. Free Guy é um filme esquecível, mas é um ótimo filme esquecível e bem como todos os videogames, é uma boa pedida para te tirar da realidade, te conectar com outro mundo e te fazer ter, pelo menos, alguns momentos de diversão. E deixa a pergunta no ar: é um filme genérico por que é original, ou é original porque é genérico? Na minha visão, o longa funciona da mesma maneira independente da opção que você escolher.

Nota do Crítico: 7.0

Nota Média do Público (IMDb): 7.6

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