SBT analisa “Maligno”: James Wan esquece que uma imaginação vulnerável causa mais horror que um visceral gráfico

Filme começa bem, mas desliza muito pelo caminho

SBT analisa “Maligno”: James Wan esquece que uma imaginação vulnerável causa mais horror que um visceral gráfico -


James Wan foi amaldiçoado por uma benção no início de sua carreira como diretor: rodar seu primeiro filme, Jogos Mortais (2004), e o vendo se tornar um expoente do gênero e do subgênero e, assim, sendo alçado de forma imatura à genialidade. Após o sucesso colossal do thriller, acarretando em uma franquia de filmes medíocres em que o diretor não colocou a mão, não diretamente pelo menos, Wan passou por um hiato de quase uma década de trabalhar por trás das câmeras, apenas produzindo uma quantidade avassaladora de outros projetos, majoritariamente filmes de horror. Oito anos depois, ele faz seu retorno em grande estilo, pelo menos na opinião do público, com o primogênito da série Invocação do Mal. Dentro do terror, o diretor malaio ainda dirigiu mais uma franquia de filmes: Sobrenatural, também amada, pelo público, claro.

Em 2021, ou mais especificamente neste filme, Maligno, James Wan propõe um novo ramo de terror, mas apenas dentro de sua carreira. Uma homenagem aos giallo movies, provenientes do cinema italiano da década de 1930. Aqui, após uma abertura semi introdutória onde nos é apresentado apenas o teor do que tentará nos amedrontar e nada mais, seguimos a enfermeira Madison (Annabelle Wallis), que após um trauma dentro do relacionamento começa a ter visões de assassinatos brutais. O tormento da mulher piora quando ela descobre que os pesadelos acordados são, na verdade, realidades aterrorizantes. Não vou entrar mais fundo na mitologia do longa, pois é um típico filme que quanto menos você souber ao sentar na cadeira da sala de cinema, melhor, tanto para o lado positivo, quanto para o negativo. Seguidamente da introdução não tão reveladora, começamos a acompanhar a rotina de Madison e logo vemos que ela está presa em um relacionamento completamente abusivo com o marido Jake (Derek Mitchell), onde o mesmo justifica as agressões físicas para com a mulher sendo fruto de das frustrações por conta de abortos espontâneos que a esposa sofrera.

Logo após mais um episódio de violência doméstica, Madison desmaia ao levar um golpe na cabeça. Enquanto a mulher está apagada, durante a madrugada, Jake, dormindo no sofá da sala, começa a ouvir barulhos pela casa. Investigando, sozinho, os sons incomuns, primeiramente nota que o liquidificador está ligado, ao desligá-lo a porta da geladeira se abre sozinha diante de seus olhos, entretanto não sendo suficiente para fugir do local ou acionar qualquer tipo de socorro, o rapaz, já bastante assustado, continua sua busca até ser, obviamente, brutalmente assassinado por esse novo mal imposto no longa. Em seguida, várias outras mortes extremamente cruéis vão se desencadeando, chamando atenção da força policial de Seattle, aspecto Jogos Mortais, que começa a investigar a onda de crimes, que por sua vez revela os segredos escondidos por trás da cosmologia daquele universo.

O trabalho de terror sobre a perspectiva, escondendo o que se deve querer ver, deixando assim que a imaginação do espectador faça o trabalho sujo de manipulação e criação de medo é digno de nota. Logo na primeira sequência de violência, a supracitada, somos brindados com uma união harmônica entre uma fotografia escura, repleta de cores asfálticas, uma  direção de arte que invoca uma ambientação, mesmo que genérica (um vasto sobrado que sempre é cercado por neblinas), principalmente ao anoitecer, nenhum pouco convidativa e a trilha de Joseph Bishara repleta de cordas tornando a experiência de quem o vê, propositalmente, quase intragável. Uma pena que isso acontece somente nos primeiros quinze minutos da rodagem.

A partir do primeiro assassinato, como diz o poster do filme, “uma nova visão do terror”, a cada minuto se torna cada vez menos ‘’nova’’ e se encaminha mais para o adjetivo “mesma”. Policiais descrentes do mal sobrenatural, personagens investigando locais completamente ameaçadores desacompanhados, subtramas claramente desnecessárias e desinteressantes que após evidenciadas são esquecidas pelo roteiro, tudo isso culminando em uma reviravolta que altera quase todos os aspectos da obra. A sensação que permeia é que são dois filmes completamente diferentes a partir da metade do segundo ato. No momento desta quebra, Wan então, abandona este braço do horror que citei “terror por perspectiva” e se entrega a, até poucos pela proposta, sustos gratuitos e um uso, digno das únicas cenas memoráveis, de gore. São nos momentos onde a hemoglobina jorra de alguma parte do corpo das vítimas que Maligno encontra seu auge. Se até o momento, o filme possuía pouquíssimos traços daquilo que apresentara em sua proposta inicial, é no momento em que o twist é revelado que tudo degringola de vez. A perspectiva é abandonada e o horror gráfico é imposto em tela, novamente, funciona, mas o senso de mesmice se acentua ainda mais. O “monstro”, ou chame como quiser, abandona o ardil e se torna uma espécie supersoldado portador de um simbionte alienígena assassino de policiais.

James Wan consegue prender a atenção, com uma ótima abertura repleta de inquietação e incógnitas, porém conforme o caminhar e o desenrolar da trama vemos que essa “nova visão”, vista anteriormente em seu primeiro filme (Jogos Mortais), aqui, acaba se tornando cada vez mais homogeneamente saturada a cada curva que o diretor decide virar. O visceral é ótimo, mas há tempos que temer algo pela sua presença deixou de ser mais aterrorizante que uma imaginação vulneravelmente amedrontada.

Nota do Crítico: 4.0

Nota Média do Público (IMDb): 6.7

 

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