SBT analisa “Tempo”: mais um filme que M. Night Shyamalan esquece que não é tão genial quanto pensa

Mais um suspense do famoso diretor que se sustenta apenas nos dois primeiros atos

SBT analisa “Tempo”: mais um filme que M. Night Shyamalan esquece que não é tão genial quanto pensa -


Muito diretores têm assinaturas cinematográficas, muitas vezes propositais e em outros casos simplesmente ficaram reféns de uma. Wes Anderson é marcado pela simetria quase perfeita em seus filmes, Quentin Tarantino pelo amor ao cinema em suas diversas referências e mais referências em suas obras, sendo que estas duas são marcas próprias e propositais. Já por outro lado temos M. Night Shyamalan, um diretor que, após sua super estreia no mundo da sétima arte com o espetacular “Sexto Sentido” (1999) e ser comparado com o mestre dos suspenses Alfred Hitchock, ficou refém de uma assinatura muito tênue: o plot twist. O termo em inglês que significa “grande reviravolta” marcou a carreira do diretor e aqui não é diferente. Digo que o recurso é tênue, pois se concebido após uma grande narrativa, como por exemplo, “Oldboy” (2003), “Os Suspeitos” (1995), a virada final, se já não causa um forte impacto, fica ainda mais carregada. Por outro lado, se má feita, temos filmes lamentáveis, outra marca na carreira de Shyamalan pós 1999 e que vai perdurar, pelo menos, até seu próximo filme.

Aqui temos uma família em férias planejadas na praia. Logo na abertura, o filme já deixa claro em um diálogo entre a mãe, Prisca (Vicky Krieps), o pai Guy (Gael Garcia Bernal), sua filha Maddox (Alexa Swinton) e o jovem Trent (Nolan River) a temática que será abordada no decorrer da trama: o tempo e seu impacto na vida daquelas pessoas. Nossos protagonistas chegam em um hotel cinco estrelas e são recebidos com tudo o que há de melhor à disposição. Comidas que dão água na boca, hospitalidade acolhedora, suítes majestosas, um paraíso na Terra. Porém a direção sempre impõe o senso de estranheza e ameaça, em meio a beleza estonteante do local. Nos é apresentado então o contraponto ao ambiente perfeito: a tão esperada viagem marcava o último momento familiar daquelas pessoas, já que o casal está à beira do divórcio. Os pais e filhos são convidados, pelo gerente do hotel, para um passeio em uma praia proibida e desconhecida, pouquíssimo suspeito. Como todos os personagens de filme de suspense/terror não sabe que estão em um filme do gênero, o convite é aceito pelos pais da família e eles vão para o famigerado local. Além de nossa família protagonista, vão à praia outra família composta pelo médico Charles (Rufus Sewell), a modelo Chrystal (Abbey Lee), a filha Kara (Mikaya Fisher) e a mãe de Charles, Agnes (Kathleen Chalfant). Para completar o grupo, temos o casal composto pelo enfermeiro Jarin (Ken Leung) e sua esposa epilética Patricia (Nikki Amuka-Bird). Grupo formado, o motorista do hotel, o próprio Shyamalan, leva os hóspedes para a praia paradisíaca. Ao chegar no local, os visitantes se deparam com o misterioso rapper Mid-Sized Sedan (Aaron Pierre) e o corpo de uma jovem mulher boiando no mar.

Deste a chegada, o diretor já começa a salientar a dicotomia daquele ambiente, a beleza do mar e do horizonte são muito bem contrapostos por ondas ameaçadores e uma muralha de roças sufocante, as quais se tornam personagens ao decorrer da rodagem. Logo de cara, as coisas começam a ficar muito estranhas. Todas as crianças rapidamente envelhecem alguns anos em questão de horas. Após o fenômeno sobrenatural somado a falta de sinal telefônico e a não conseguir voltar pelo caminho que vieram, o desespero é despertado e se instala. Algumas discussões depois, os adultos entendem que meia hora na praia representa um ano na cronologia natural. O senso de emergência é imposto de forma firmemente generalizada, pois será que eles conseguirão sair de lá antes que apenas um dia os envelheça 48 anos?

Em seus conceitos, “Tempo” consegue obter sucesso, o diretor sabe dirigir o gênero, a câmera nos coloca como espectadores, passeando em meio a loucura que só aumenta, o diretor usa muita câmera subjetiva para impor o senso de apreensão e angústia daquelas pessoas que podem morrer de velhice em menos de 24 horas. Como a maioria dos filmes do diretor, com o plot já estabilizado na narrativa, em momento algum o sentimento de querer descobrir o que está por trás daqueles acontecimentos passou por mim, mas sim fiquei ansiando por um desenvolvimento coerente de um, até então, bom mistério. Mas é daí para frente que o roteiro se perde completamente e ironicamente o filme dá a sensação de que o tempo está passando muito mais vagarosamente do que o normal, onde as uma hora e cinquenta de rodagem parecem intermináveis.

O elenco não tem muito a oferecer, pois são escritos unidimensionalmente demais, o médico só fala diálogo com frases médicas, o avaliador de seguros de vida é o mais racional e por isso só fala em números, a modelo é fútil e rasa e por assim vai. E por falar em diálogos, volto ao adjetivo usado no início do texto, expositivos, repletos de frases de efeitos, e parece que foram escritos não para gerar interação dos personagens, mas sim para explicar ao público o que está acontecendo em tela. Mesmo se explicando quase que o tempo todo em que os personagens estão de boca aberta, ironicamente, o filme não entra no mérito dos diversos furos de roteiro deixados pelo caminho da narrativa. Como o rapper passou duas noites no local? Por que o corpo da mulher morta só se decompôs quando os protagonistas o encontraram? O envelhecimento é físico e mental ao mesmo tempo sempre ou apenas quando convém para a narrativa? Como a pessoa que encontrou a praia saiu de lá?

Shyamalan é o famoso caso da pessoa que claramente deveria ir para a esquerda, mas decide virar na direção oposta, onde a tentativa de ser um suspense contemplativo é completamente esquecida após um bloco final, NOVAMENTE, excessivamente expositivo. “Tempo” acerta quando é insano, é na tentativa de racionalizar o incompreensível que o diretor vai se perdendo dentro de uma, inicialmente, boa narrativa, onde os temas abordados que poderiam ser bem mais relevantes (perder o crescimento dos filhos, arrependimento, vaidade, luto, sexualidade) compõe como plano de fundo um mistério que, conforme envelhece, vai perdendo todo seu potencial.

Nota do Crítico: 3.0

Nota Média do Público (IMDb): 6.0

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