SBT analisa “Um Lugar Silencioso – Parte ll”: sequência consegue sustentar a qualidade avassaladora de seu antecessor?

Filme estreia dia 10 de junho no Brasil

SBT analisa “Um Lugar Silencioso – Parte ll”: sequência consegue sustentar a qualidade avassaladora de seu antecessor? -


João Marcelo Moraes

É muito comum em filmes de gênero, principalmente, nesse caso, terror, que após um grande sucesso de bilheteria, a urgência para tornar a obra em uma franquia acabe acarretando em uma ou mais sequências que não tenham qualquer apresso ao primogênito, como “O Livro das Sombras: Bruxa de Blair ll” ou “A Entidade 2’’, exemplos mais recentes. Quando, ainda em 2018, fora anunciada a continuação, digo continuação, pois este filme inicia-se exatamente onde o último terminou, confesso que fiquei muito ressabiado e com medo do capitalismo cinematográfico estragar mais um grande filme de terror, gênero quase impossível de encontrar longas de qualidade hoje em dia. O anúncio que o diretor e os roteiristas do primeiro filme estariam presentes na “Parte ll” me deu esperanças para uma boa sequência e um sentimento quase que incontrolável de expectativa  que me consumiu pelos quase três anos dentre espera e adiamentos de estreia, que foram recompensados, diferentemente das sequências acima, com uma continuação que faz jus à seu antecessor. Vale ressaltar que tais adiamentos foram definidos propositalmente por seu idealizador, John Krasinski, já que fica claro nos primeiros dois minutos de rodagem que este filme é uma experiência criada totalmente para as salas de cinema.

O filme não começa exatamente após o corte final de “Um Lugar Silencioso’’, porém o diálogo entre as sequências de abertura dos dois filmes fica clara, quando, com pressa, Lee Abbott (Krasinski)  entra no mesmo mercadinho assolado pelo fim do mundo em que o primeiro filme nos apresenta de forma silenciosa como fonte de recursos daquela família. Na “ Parte ll”, revisitamos em enquadramentos similares, e muito barulho (seja ele do plástico das sacolas em que Lee separa suas compras, nos passos largos e apressados do mesmo ou no som de fundo que permeia toda a sequência da televisão do estabelecimento que anuncia o que momentos depois seria o início do apocalipse), a farmácia onde Evelyn (Emily Blunt) procurava um remédio para seu filho Marcus (Noah Jupe) e o, aparentemente, tão inofensivo foguete de brinquedo que remete ao trágico corte final da sequência de abertura do primeiro filme.  Se em “Um Lugar Silencioso”, somos introduzidos em uma narrativa in midia res (história já iniciada), aqui fica claro que o filme quer nos contextualizar como uma espécie de fan service,já que nada de novo ou importante nos é apresentado, no dia em que tudo aquilo em que já conhecemos começou. Após sair do mercado com as compras, Lee vai até o jogo de beisebol de Marcus (Jupe), onde vemos o cuidado do diretor ao apresentar o personagem Emmett (Cilian Murphy), também na arquibancada para ver o filho jogar,  de uma forma simples, mostrando a relação de amizade entre os dois pais que serve de base para decisões duras a serem tomadas mais adiante. Mesmo a sequência sendo toda abrasadora, acentuada pela fotografia com cores vividas, o senso de inquietação e perigo paira ao ar, devido ao conhecimento do que aquele momento representa na narrativa daquele universo. Após algo explodir nos céus, as famílias daquela pequena cidade, deixam o jogo de beisebol e começam a se recolher.  A família Abbott, protagonista da trama, se separa, Lee (Krasinski) e Regan (Milicent Simmonds), personagem que é a alma do filme, vão na caminhonete do pai, enquanto Evelyn (Blunt)e Marcus (Jupe) vão no carro da mãe. O primeiro jump scare, recurso que o filme utiliza mais algumas vezes, vem em seguida, onde a primeira criatura, chamados de anjos da morte, destrói uma viatura policial e massacra uma pequena multidão de pessoas facilmente, o que já deixa claro, novamente, a ferocidade dos monstros alienígenas. Após conseguir escapar, Lee voltar para a caminhonete e consegue fugir com a filha, enquanto Evelyn tenta desviar dos motoristas desesperados tentando fugir o local da carnificina, Krasinski nos brinda com uma cena inquietante da perspectiva de dentro do carro de Evelyn em meio aquele caos, cena refeita mais adiante no longa e com o mesmo grau de impacto narrativo. A sequência de introdução se encerra da mesma forma que começa, de um forma metalinguística, onde, antes do corte seco e troca da linha temporal, mostra que se antes uma escopeta policial era completamente ineficaz para proteger aquelas pessoas contra as criaturas, agora, aquela, possivelmente, mesma arma, dá esperanças à família.

Agora sim, somos lançados no momento em que o filme de 2018 terminara. Com o celeiro em chamas, o patriarca da família morto na plantação, é hora de sair de casa, mudança drástica que o filme acentua mostrando, segundos depois, a chegada da família ao fim das trilhas de areia deixadas no chão para evitar sons indesejáveis, tendo que encarar um território desconhecido. Após se deparar com mais monstros e conseguir escapar de suas garras afiadas, muito por conta da ajuda de Emmett (Murphy) é que o filme começa a ressignificar muitos sensos pré-estabelecidos no universo e isso, de forma alguma, é um demérito do longa. Em “Um Lugar Silencioso” o cenário apocalíptico era usado como plano de fundo para um drama focado no sacrífico familiar, já na “Parte ll” Krasinski usa o mesmo cenário, mas o questionamento feito é outro: o que somos capazes de abrir mão para ajudar os outros? Seja sair de uma zona de conforto e encarar um ameaçador desconhecido, seja abrir mão da segurança própria para ajudar um indefeso, ou seja, mais literal, abrir mão da própria vida para salvar outras pessoas.

Além de ainda ser essencialmente um drama familiar, aliás, ótimo trabalho de trilha sonora de Marco Beltrami, que com mínimos ajustes deixou a melodia mais intimista e uma evolução radical no trabalho visual de Krasinski, onde usando luzes naturais, compões quadros estonteantes, já estamos totalmente investidos na jornada do que restou da família Abbott,  “Um Lugar Silencioso: Partell” também é um filme de monstros, e nas sequências em que os humanos se deparam com as criaturas, o longa acerta bem o medida entre suspense, ação e gore, é um filme bem mais ativo e , ironicamente, mais barulhento que o primeiro, ambos elogios ao trabalho de Krasinski devido a proposta criada aqui, que contém muito mais adrenalina.

Além dos monstros, o filme deixa claro, reafirmando a frase de efeito proferida por Emmett (Murphy) ‘’os humanos lá fora não merecem serem salvos” que, como em todos os filmes de futuros distópicos, há um grupo de humanos “do mal”, em uma sequência extremamente brega simplesmente para denotar uma fraqueza ainda não conhecida, por nós, nem pelos personagens, das criaturas, que, aliás, seria enfatizada, literalmente, na cena seguinte, deixando essa sequência em si, totalmente desnecessária.  Diferente do primeiro, a “Partell” não é tão perspicaz em gerar situação onde o silêncio é impossível, como Evelyn dando a luz, aqui os sons são provenientes de sustos que mesmo não tão afetados pela trilha, são bastante premeditados e cafonas, como um defunto aparecer em meio a fresta de uma porta, gerando um grito. Outro ponto negativo é que mesmo com a sequência de abertura mostrando o início de todo aquele caos, o filme não aprofunda na origem ou quaisquer outras informações de seus monstros, se no antecessor a sensação era que isso não era de importância para a trama, e realmente não era, aqui a impressão que fica é que Krasinski apenas não tinha muito o que dizer sobre eles.

Para finalizar, o filme tenta, novamente, ter uma metalinguagem com o primeiro, encerrando-se com um corte final seco, e emocionalmente carregado, porém devido as diversas discussões geradas e pontos de interrogação deixados para trás, possivelmente para um terceiro filme, o final se torna abrupto demais, o que não tira o fato do diretor ter total controle do universo e saber exatamente como gerar momentos, que, pelos menos eu, me peguei tapando a boca com as mãos, e creio que não teria como fazer um elogio maior para esse filme

Nota do Crítico: 7.0

Nota média do público (IMDb): 7.9

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