SBT analisa: ‘História de um Casamento’: o retrato da beleza na tragédia no fim de um relacionamento



 

JOÃO MARCELO MORAES - DE ARAÇATUBA

A premissa é simples e objetiva; o filme conta a história gradual do fim do casamento e o processo de divórcio de um casal. Assim temos o nosso filme.

A abertura já é uma sequência, que conta com uma montagem espetacular, trazendo uma narração onde o casal, individualmente, diz como é seu relacionamento e comenta sua a visão que tem de seu parceiro ao longo do tempo.  Tal narração é tão bem escrita e o amor, a admiração dos dois é tão verdadeira que com cinco minutos de filme, você já está totalmente investido emocionalmente e apegado ao casal. Eu não via uma criação de atmosfera tão calorosa e um convencimento em investir seu emocional em uma história tão rápido desde ‘Up – Altas Aventuras’.

O estabelecimento da atmosfera da paixão deles é feito com tamanha maestria, que já no corte seguinte a toda essa sequência de verborragia, quando se estabelece a narrativa que será contada a frustração é ciclópica e imediata de tirar aquele suspiro de decepção de quem assiste. Por já ter se envolvido tanto e tão rapidamente e sabendo o que o filme vai te contar, você sabe que tem que se preparar psicologicamente, pois a estrada vai ser dura.

O filme é escrito e dirigido pelo americano Noah Baumbach, diretor dos ótimos ‘Francis Ha’ (2013) e ‘A Lula e a Baleia’ (2005) e aqui tudo em relação a direção está focando em dois aspectos: o primeiro é realçar ao máximo a humanidade sentimental das atuações de seus protagonistas, usando muitos close-ups, muita lateralidade na movimentação de câmera e segundo, enquadrar de forma que, literalmente, algum componente em cena separe o casal acentuando ainda mais o processo de desaproximação dos dois. São pequenos detalhes em planos abertos, onde uma barra de ferro, o fechar de um portão está no meio dos protagonistas, mas em alguns casos fica um pouco alegórico demais, um pouco forçado demais, porém não chega a comprometer.

O tom do filme está, quase que todo, em domínio total do diretor, o aumento do grau de frustação, de raiva, chegando a um estágio de melancolia, de abatimento físico e emocional é transmitido perfeitamente. O longa ainda conta com um humor que quando é niilista e sarcástico funciona pontualmente, mas quando o filme tenta ser engraçado fica afetado demais, mas, novamente, é uma escorregada pequena que não afeta a trama.

A narrativa ainda conta com uma musicalidade que é muito bem-vinda e acompanha uma das cenas mais carregadas emocionalmente do filme. Falando em música, a trilha sonora fica um pouco intrusiva em algumas cenas pesadas, onde apenas o acontecimento já bastaria para causar impacto, mas funciona na maior parte do filme.

 

A montagem aqui é ótima, a individualidade das sequências mostra tanto a visão dos dois em relação ao divórcio, e as consequências emocionais que tudo aquilo vai gerando para um com o outro e o resultado que vai afetando o filho do casal, quanto deixa a narrativa bilateral e juntamente com o roteiro extremamente bem escrito, em nenhum momento o filme julga uma das partes.

Dependo se você for homem ou mulher, isso pode pesar na sua decisão de ‘’qual lado ficar’’, o que é compreensível, mas em nenhum momento o filme tenta te jogar para um dos lados.

Os diálogos são extremamente fortes, incômodos, desaconchegantes devido ao grau de verdade imposto neles. Se você já teve qualquer tipo de relacionamento longo com alguém, é impossível não se pegar pensando ‘’eu já disse/pensei exatamente isso’’. Outro ponto muito forte é a ressignificação de vida e o desenvolvimento da estranheza, o clima que vem acarretado em uma separação, não saber como cumprimentar, como dizer algo para aquela pessoa que um dia foi seu/sua maior companheiro e confidente é feito de forma nada menos que ideal.

E chegamos as atuações magistrais do casal protagonista.

De longe, longe mesmo, este é o melhor trabalho de atuação da Scarlett Johansson, o grau de emoção e expressão facial aqui é de um nível de realismo extremo, ajudado também por um trabalho sublime de maquiagem. Ela realmente parece uma mulher que vem chorando e sofrendo por semanas e a transformação gradual das menções ao ex são construídas de forma espetacular pela atriz. Se ela não receber, NO MÍNIMO, uma indicação ao Oscar não existe justiça nesse mundo.

Do outro lado temos um Adam Driver, que começa mais introvertido, denso e ao ponto que a realidade vai batendo à sua porta, ele vai ficando destruído e ver isso além de ser uma péssima (no mais positivo sentido da palavra) paráfrase para quem se identifica, mas é agonizante. Só por uma sequência específica, ele merece o Oscar de melhor ator, entreguem logo o prêmio para ele.

No elenco de apoio temos o Ray Liotta e o Alan Alda que transitam bem e mostram duas visões totalmente opostas do divórcio, o que reforça ainda mais o não julgamento do filme para com seus personagens. Mas o destaque aqui vai para a Laura Dern que tem todo um charme sensual persuasivo que é maravilhoso de assistir e a presença de cena poucas atrizes conseguem ter. Ficou um sentimento de ‘’ah como eu queria ver essa personagem vivida pela Michelle Pffeifer’’, mas Dern está sensacional.

‘’História de um Casamento’’ é um filme que tem sim alguns deslizes, porém é incrível, bruto, real e talvez se você nunca tenha vivido um relacionamento longo e apaixonado esse filme não te pegue tanto pelo lado emocional, mas se você viveu e ele acabou, esse filme não vai ser um soco no estômago, tá mais para um marretada no pescoço, entretanto não é em nenhum momento pessimista sobre o amor e deixa claro que até as melhores histórias possam chegar a um final.

Nota: 9,5

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