SBT Interior analisa ‘’Army of the Dead: Invasão a Las Vegas’’, novo filme da Netflix

SBT Interior analisa ‘’Army of the Dead: Invasão a Las Vegas’’, novo filme da Netflix -


João Marcelo Moraes

O longa disponível na Netflix não é o primeiro trabalho do cultuado diretor, Zack Snyder, dentro do subgênero. Em 2004, o cineasta estadunidense dirigiu uma ‘’refilmagem’’ de um dos maiores clássicos do terror hollywoodiano ‘’Madrugadas dos Mortos’’ do pai dos zumbis George Romero, onde o material fonte fica claro e as homenagens mais ainda.

Em ‘’Army of the Dead: Invasão a Las Vegas’’ não existe uma fonte única a ser usada como base para a criação do universo, mas sim a somatória de alguns componentes de outros vários longas do gênero: mortos-vivos lentos e bobalhões são deixados de lado e nos é apresentado em tela os, então nomeados, zumbis modernos, velozes, bem mais viscerais e ameaçadores, similares aos monstros de filmes como ‘’Extermínio’’ de 2002 e ‘’Guerra Mundial Z’’ de 2013. Aqui, os zumbis não são apenas seres irracionais que necessitam incessantemente comer cérebros humanos, mas possuem certa inteligência dentro de seu comportamento violento e ainda mais, relação interpessoais e hierárquicas dentro das grandes hordas, muito parecido com o clássico livro de Richard Mathenson ‘’Eu sou a Lenda’’. E claro, Znyder não poderia fazer esse filme sem ao menos referenciar o supracitado George Romero, escritor e diretor que deu vida a tais monstros em salas de cinema. A referência fica clara na ambientação. Se em 1968, Romero usou o gênero e os zumbis para criticar o capitalismo social, onde o filme se passar quase que por completo em um shopping center não era por acaso, Znyder vai além, usando a cidade do pecado e majoritariamente cassinos para discorrer suas quase duas horas e meia de rodagem.

O filme abre com a sequência muito simples de apresentação, onde militares escoltam um certo tipo de contêiner que é deixado claro em pouquíssimos diálogos, apenas para contextualizar o expectador, que por vir da Área 51 e por ser de total sigilo do exército americano, o conteúdo da caixa de metal pode ser caótico, o que é provado segundos depois, quando o veículo que carregava o contêiner se envolve em um acidente na rodovia em que transitava, liberando o ‘’zumbi 0’’, que rápida e violentamente aniquila alguns dos soldados e transforma outros em seus semelhantes. Em seguida se encaminham para a cidade desértica de Las Vegas, onde a infestação começa.

O massacre é exposto em tela como uma espécie de prólogo ao filme, onde fica claro quem está por trás das câmeras, Znyder se deleita de uma sequência toda em câmera lenta, recurso que é usado em quase todos os momentos de ação do filme, o que justifica os mais de 140 minutos de rodagem, priorizando sempre o visual em suas composições cênicas. É neste ‘’prólogo’’ que nos é apresentados nosso grupo de heróis, protagonizado pelo militar Scott Ward (Dave Bautista), a vice-líder Maria Cruz (Ana de la Reguera), o violento Vanderohe (Omari Hardwick) em uma missão de resgate aos sobreviventes que tentam, desesperadamente, fugir dos monstros famintos. Outra ótima qualidade do diretor são as escolha musicais para compor a trilha sonora de seus trabalhos e aqui não é diferente, uma desconstrução da clássica‘’Viva Las Vegas’’ do rei do rock Elvis Presley salienta muito bem a melodia enquanto vemos nosso trio em meio a toda uma chacina sangrenta.

O filme deixa claro então que nosso protagonista será Bautista. Vemos que mesmo após ser considerado herói de guerra e receber a medalha de honra do governo americano, o ex-militar não tem uma vida fácil e precisa trabalhar como chapeiro em um restaurante para sobreviver. Em meio a esta apresentação do presente, vemos uma discussão em um programa jornalístico na televisão, onde se discute que uma bomba nuclear será lançada na cidade infectada para destruir todos os zumbis presentes, mas que pode afetar um campo de refugiados que ela localizado ao lado, literalmente de Las Vegas. Ponto que mostra o descaso de Znyder com o roteiro, o campo poderia existir em qualquer lugar naquele vasto deserto do estado de Nevada, mas ele está localizado do ladinho de uma cidade repleta de monstros comedores de carne humana.

Neste momento é quem chega o personagem interpretado por Hiroyuki Sanada que oferece a Ward (Bautista) uma proposta irrecusável: entrar na cidade dos zumbis, arrombar um cofre, levar cinquenta milhões de dólares para casa e mudar de vida, proposta aceita após uma cena curta e brega, palavra que simplifica o que é este filme, de conflito consigo mesmo do protagonista. Após decidir que ia realizar a missão, Bautista começa a recrutar sua equipe, onde todos terão uma função genérica e única, que, aliás, pontua a personalidade rasa de cada personagem, dentro do plano de resgate do dinheiro. Além do trio já conhecido (Bautista, Requera e Hardwick), o mestre em arrombar cofres Dieter (Schweighofer), a piloto de helicóptero Marianne Peters (Tig Notaro), um youtuber viciado em registrar como mata os zumbis e sua parceira (Raúl Castillo e Samantha Win) e, é claro um cupincha do mandatário, que está no grupo apenas para causar desconfiança, gerar conflitos desnecessários e revelar o twist das verdadeiras intenções de seu chefe, que bem como em ‘’Jurassic Word’’ de 2015 quando é exposta, carece de sentido lógico.

Além disso, após se reencontrar com a filha (Ella Purnell) no campo de refugiados antes de iniciar a missão, o longa tenta criar uma relação entre ambos, mas a falta de tempo (não de duração, isso tem em excesso), e a superficialidade não nos deixa gerar qualquer empatia com a relação dos personagens de Bautista e Purnell. A voluntária no campo impõe ao pai que irá junto para a cidade repleta de seres comedores de gente, sem qualquer treinamento ou maneirismos com armas brancas ou de fogo para salvar uma amiga que entrara na cidade com a intenção de roubar dinheiro de caça niqueis abandonados, sim, o roteiro tem motivações quando não, mal explicadas, como no caso dessa amizade das duas, como também sem qualquer apreço a racionalidade. Após certo conflito, Bautista cede e a filha acompanha o grupo, que tem menos de um dia para encontrar o dinheiro e fugir, antes que um míssil atômico destrua a cidade. Fecha-se o grupo com a maior conhecedora dos zumbis, de como funciona a dinâmica da cidade e guia do grupo Nora Arnezeder ou ‘’o coiote’’ no filme.

Durante a missão temos de tudo um pouco, mas são nas, várias, cenas de ação que o filme acerta em cheio, muita violência, entranhas sendo estouradas e muito, mas muito sangue. Obviamente, quanto mais rasa a introdução do personagem ao grupo, mais cedo ele vira comida de zumbi, o que deixa o filme um pouco previsível, pois fica bem claro em determinadas sequência quem vai morrer, quem terá a morte mais dramática e a mais satisfatória. Falar sobre drama neste filme é quase uma heresia, Znyder tenta gerar mini-relações dentro do grupo, mas nenhuma funciona devido ao pouco tempo que o mesmo dedicou a escrever e desenvolver os personagens, dedicando-se majoritariamente ao visual e esquecendo-se completamente da substância. Nem mesmo todo o carisma, que não é tanto assim, de Dave Bautista é suficiente para segurar diálogos regados à cafonice, frases de efeito ou piadas mal encaixadas.

Znyder também é bastante incoerente quando se trata de gerar impacto em suas cenas, onde vemos que a bala de uma pistola causa efeitos totalmente diferentes dependendo de qual sentimento o diretor quer impor em sua cena: quando a cena deve satisfazer o público, o projétil explode a cabeça dos monstros deixando a mostra os cérebros, agora quando  cena é emocionalmente carregada denotando o sacrifício de um dos personagens, a bala apenas atinge a cabeça do mesmo e a deixa intacta para que o close-up da câmera deixa a cena mais emocionante. Por falar em incoerência, o filme gera uma em seu desfecho envolvendo o tempo de transformação de humano para zumbi simplesmente para deixar claro que não para por aqui, mas que veremos em futuro próximo Znyder por trás de mais zumbis.

Estaria sendo muito hipócrita em dizer que o filme não diverte, as várias cenas de matança em pontos turísticos de Las Vegas são muito bem-vindas, tanto visual quando mecanicamente falando, o diretor tem sua marca e sabe bem utilizá-la em composições cênicas. O problema são as quase duas horas e meia em que boa parte da rodagem, o tempo é desperdiçado em subtramas ou sem qualquer carga emocional pelo filme não conseguir gerar empatia para com seus personagens ou sem qualquer tipo de lógica ou noção de perigo, acarretando em uma experiência que o expectador apenas anseia pela próxima cena visceral que o filme apresentará.

 Nota do Crítico: 5.0

Nota média do público (IMDB): 5.9

Comentários